sexta-feira, 30 de abril de 2010

A fé que remove montanhas é a mesma que arrecada moedas?

Ainda meio sonolento, acordei com o barulho da sua voz. Ele falava da época em que entrava nos ônibus para assaltar, para matar, pegar as coisas das pessoas. Suas palavras oscilavam entre coisas boas e ruins. Foi assim a maior parte de minha viagem, num desses dias quase monótonos de ida para o trabalho. Quando acordei (detesto que interrompam meu sono, mesmo que no ônibus), ele já pregava o evangelho segundo... Segundo ele mesmo, na maioria das vezes!

Na medida em que ele ia explicando sua história passada, marcada por delitos, evocava o nome de Deus e intimava as pessoas a concordarem com as palavras bíblicas, narradas com um português ainda depreciado pela vida mundana. As pessoas, meio perplexas, não sabiam muito o que fazer. “Levanta as mãos aqueles que acham que Deus merece”, dizia ele, entoando a voz. “Levanta as mãos pessoal”, insistia, já praticamente gritando, ao perceber a falta de atenção das pessoas. “Tem homem aqui que levanta as mãos até pra bater na mulher em casa, mas não levanta para bater palma para Deus”, apelava.

Ele não desistia. “Quando eu entrava nos ônibus pra assaltar e mandava alguém levantar o braço, aí num instante todo mundo levantava. Hoje eu peço pra levantar o braço pra Deus e ninguém levanta!” Ele se aproximava de algumas pessoas e se dirigia diretamente a elas: “Levanta a mão. Bate palma. Bate palma quem acha que Deus merece!” Uma jovem que estava ao meu lado já levantava suas mãos e batia palma. Na frente, outra. Muitas pessoas (mulheres) já batiam palmas e respondiam, quando indagadas, “Amém!”, num coral triste.

Quando eu olhava ao redor, no rosto das pessoas, sentia que elas carregavam uma aflição típica do medo. Notei que elas não sabiam exatamente por que batiam palmas e levantavam suas mãos. “Eu vou encerrar...” Tranquilizei-me, mas só por uns segundos. Ele voltava a falar e contar detalhes da sua vida, dos crimes cometidos, de sua vivência na penitenciária atualmente, que retornaria para lá no final da tarde e que os outros presos sempre lhe pede para levar alguma coisa, uma pasta de dente (creme dental), um biscoito... “Eu vou encerrar, mas antes...” E voltava a contar como assaltava os celulares das pessoas, ironizava com alguém que aparentemente estava dormindo e não prestava atenção ao seu culto. “Quando eu entrava e alguém tava dormindo, eu ia assaltando e quando a tia acordava e dizia ‘o que é isso? ’, eu respondia: isso é um assalto tia e eu tava esperando a senhora acordar pra pegar seu celular”. Algumas pessoas se entreolhavam; outras riam cautelosamente.

Eu anotava, pacientemente, cada palavra, em inglês, para evitar que a fiel ao meu lado pudesse me entregar. Não era bem medo, mas eu estava meio assustado, surpreso com a situação. Cheguei a vacilar sobre meu direito de escolha, ao me constranger por não estar levantando os braços, muito menos aplaudindo fosse lá o que for.

Ele, para não perder a prática, começou a pedir dinheiro, mas dessa vez sem arma. Melhor dizendo, pedia ajuda para levar para os demais detentos, usando como “arma” apenas as palavras. Uma ou duas pessoas deram algumas moedas. “É verdade. Antes eu entrava, apontava uma arma e todo mundo logo me dava o dinheiro”. Naquele momento, pensei ser prudente eu pegar minha carteira e entregar algum dinheiro. Hesitei. “A Bíblia diz não à violência e sim ao amor”. Aumentaram as doações. “O Senhor é meu pastor e nada me faltará, amém?”, perguntou. “Amém, gente?", gritou. “Amém”, respondeu, prontamente, o coral.

Ainda não era tudo. Meu sono já havia ido embora, totalmente, o que é difícil de acontecer. Eu já havia guardado meu bloco de anotações, certo de que as arrecadações em nome de Deus para ajudar os irmãos da cadeia eram o suficiente e o último capítulo da história. “Para finalizar...”, repetia, sem mudar uma só palavra. “Você vai tocar no ombro do irmão que está do seu lado...” Eu, na hora, exclamei uma só palavra, para mim mesmo, mas que, infelizmente, terei que aqui censurá-la. Não acreditei na cena. “Espero que essa menina não toque em mim”, pensei. Em vão! Quando ele terminou de proferir a mensagem a ser passada através do toque, ela já estava ultrapassando o espaço que me é de direito do meu assento, colocando sua mão sobre meu ombro. Não consigo pensar numa só palavra para descrever a cena, tamanha a unicidade do ato, para não dizer outra coisa. Mantive os olhos nas minhas anotações e consenti despretensiosamente com alguma coisa que ela me disse, para não ser de todo grosseiro. Talvez ela não tivesse escolha naquele momento. Ele, finalmente, desceu e desapareceu. Fiquei com a impressão de ter acabado de passar por um assalto, à mão armada.

Eu acredito em Deus, mas o caminho, definitivamente, não é esse!

terça-feira, 27 de abril de 2010

MST, Vale-Gás, Bolsa Família e a Falta de Conhecimento

Acabei de achegar no trabalho, atrasado, mas precisava escrever, desabafar.
Há mais ou menos oito dias cerca de 5 mil militantes do MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – estão marchando de Feira de Santana para Salvador, 112 km. O objetivo é lembrar o massacre de 19 trabalhadores em Eldorado de Carajás (PA), ocorrido em 1996, e também para entregar ao INCRA e a Secretaria de Agricultura da Bahia suas reivindicações.

Pois bem, desde ontem, 26/04, pego alguns engarrafamentos na capital baiana com a chegada dos militantes. Nenhuma novidade, apenas algumas queixas banais dos passageiros, a cidade já anda um caos, parada. Hoje, no entanto, no ônibus, sentei-me à frente de uma jovem mulher, que me obrigou a sentar imediatamente diante desse computador e compartilhar com vocês, leitores, esse desabafo.

Ela, ao passar pela marcha do MST, começou a resmungar, chamando os militantes de “vagabundos”, “sem quifazer” e o mais que ela lembrou no momento. Fiquei decepcionado, porque eu esperava que ela fosse, no mínimo, capaz de fazer uma análise mais coerente, que justificasse, se não toda a sua opinião, os verbetes negativos. Nada! As coisas pioraram. Ela, do nada, começou a falar de Vale-Gás, Bolsa Família, Lula, Dilma, dizendo que estes programas só serviram para acomodar o povo... etc e tal! Ouvir aquilo foi o mesmo que estar assistindo ao Jornal Nacional e tantos outros programas que visam distorcer qualquer tentativa de ação positiva do governo para as classes mais carentes. Eu sabia que naquele momento eu tinha o dever de, nos minutos que me restavam para chegar ao meu ponto, tentar esclarecê-la, mostrar-lhe que o seu julgamento estava equivocado. Fui fraco. Calei-me diante do seu convicto desconhecimento. Preferi acreditar que ela nunca passou fome, nunca precisou de um metro quadrado de terra para plantar a única esperança de comer e não fazia ideia do que era pedir o botijão de gás do vizinho emprestado para terminar de cozinhar o feijão.

Desci triste do ônibus. Triste por ter ficado calado, triste por não entender por que as pessoas não procuram se informar, sair da posição de comentarista superficial, entender que há problemas sociais e que todos nós temos nossa parcela de culpa. Aquela mulher, visivelmente, não sabia o que significa a Reforma Agrária e não sabe quantas pessoas ainda passam fome no país. Ela certamente nunca visitou um assentamento na sua vida, desconhece os diversos projetos de agricultura familiar e ignora o trabalho do Movimento e a produção de alimentos que este é responsável. E o que é pior; ou melhor, deve estar se alimentando diariamente com produtos provenientes dos assentamentos.

Gostaria tanto que ela doasse só uma daquelas dóceis palavras direcionadas ao MST para os empresários da cidade onde ela mora, para os donos das empresas de ônibus, para a prefeitura, pois são estes que todos os dias a faz esperar, horas, calada, por um transporte ineficiente, caótico. Todos os dias, repito. E a marcha do MST é uma vez por ano!

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Antes um bar, hoje uma igreja

Chega a ser curioso, digno de estudo, a quantidade de igrejas que tem surgido nos bairros de Salvador e também em outros municípios fora da capital.
Também chama a atenção a variedade de nomes, de doutrinas, crenças, sabe lá o quê! Alguns nomes não me arrisco a falar, nem tampouco escrever. O todo poderoso Google não deve nem reconhecer.
O fato mais curioso é onde estas igrejas estão sendo instaladas, em sua maioria: bares.
Aqui no bairro perde-se a conta. Só na rua onde moro são três... Minto, quatro! Deus está presente, isso me conforta! A humanidade deve estar mais pacífica, mais solidária.
Onde menos se espera, eis que ela surge, ainda que num simples espaço de dois metros quadrados e paredes de taipa, dois ou três fiéis. Em contrapartida, há os castelos, templos, para aqueles que não abrem mão do conforto na hora de tentar falar com Ele.

O fato é que quem procura e quer aceitar Jesus, lugar não falta! Agora vá com fé, porque “negociar” o perdão pode não ser tão fácil quanto pedir uma cerveja no balcão.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Imperdível: Mino Carta faz palestra em Salvador


Como coordenador do Grupo de Estudos de Comunicação e Política da Universidade Federal da Bahia, o professor, escritor e jornalista Emiliano José convida para a palestra do diretor de redação da revista Carta Capital, jornalista Mino Carta, na próxima sexta-feira (dia 16), às 19h, na Faculdade de Direito da UFBA, na Graça. A entrada é franca.

A palestra faz parte da série de seminários "A Política e a Vida na Esquina do Mundo". Além de Mino Carta, estão convidados os cientistas políticos Giuseppe Cocco UFRJ), já agendado para 26/05, Juarez Guimarães (UFMG) e a filósofa Marilena Chaui USP), ambos com datas em negociação.

domingo, 4 de abril de 2010

Por que David Andrade é um exemplo para todos os brasileiros?

Ele poderia usar como desculpa para desistir da luta uma série de fatores: seca, dificuldade no acesso à educação, problemas financeiros, falta de oportunidade de trabalho e até mesmo de apoio, dentre tantas outros. Mas optou por enfrentar todos estes obstáculos e fazer da região onde mora um lugar mais habitável, mais digno para a população.

Davi Andrade Santos, mais conhecido como David Andrade, é um jovem de 26 anos, morador do povoado do Cajueiro, cidade de Tucano, distante 256 km de Salvador. Agricultor familiar, desde a infância trabalhou na roça com os pais, Maria Andrade e João Ferreira, para ajudar no sustento da família. Preocupado com as condições de sobrevivência dos moradores do semiárido baiano, região que é caracterizada por longas secas e períodos de chuva escassos, iniciou sua militância nos movimentos sociais no Coletivo Municipal de Jovens de Tucano, organizando a juventude local para buscar melhores condições de vida. O trabalho envolvia, além de outras ações, mobilização política, conhecimento da realidade local do município, desenvolvimento rural sustentável, agronegócio e cooperativismo, participação da sociedade na criação de políticas públicas e educomunicação.

Alguns anos depois, assumiu a presidência da Associação Comunitária Clube 4-S Cajueiro, reconhecida como a associação mais antiga do município, realizando uma das melhores gestões da entidade. Depois da associação, David assumiu a presidência do Conselho de Desenvolvimento Municipal de Tucano (antigo FUMAC) e no cargo realizou grandes ações, dentre as quais se destaca a elaboração e aprovação de projetos que proporcionaram mais desenvolvimento e melhor condição de vida para as comunidades rurais.

David é uma dessas pessoas que bastam apenas alguns segundos ao seu lado para a vontade de mudar o mundo surgir com toda força. Livre de utopias, ele bota a mão na massa, literalmente. Conhece cada povoado, cada comunidade do município onde reside e para os quais presta vários tipos de assistência (gratuita), principalmente para os agricultores familiares, além de atuar na mobilização de outros municípios, ministrando atividades e capacitando tecnologicamente aqueles que utilizam a terra para o plantio de sobrevivência.

Desde que o poder de dissociação do capitalismo adentrou todas as esferas sociais, as comunidades mais longícuas e inacessíveis, plantando o individualismo e a ganância, voltar-se para o social e trabalhar por um bem comum tem se tornado uma prática cada vez mais em extinção. David, movido por um ideal humanitário, esquivando-se das garras afiadas do capitalismo nocivo, é um exemplo para todos os brasileiros que acreditam e lutam por um país melhor, que não permitem que as coisas materiais se sobressaiam diante da vontade de ver uma nação unida, com um sorriso de liberdade estampado no rosto.

Ciente da importância política na articulação do semiárido, em 2008 candidatou-se a vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT), não alcançando número suficiente de votos. Para quem pensou que ele desistiria, com uma possível decepção, enganou-se. Ele sabe que o amadurecimento político por parte dos eleitores vem com o tempo, principalmente na Bahia, onde durante muito tempo a política foi de exclusão e centralizava as ações apenas na capital; o interior era o mercado de compra e venda de votos. Hoje, ainda mais experiente, David tem viajado Bahia afora, fortalecendo parcerias, ampliando os conhecimentos e a rede de contatos com outros atores sociais, além de compartilhar experiências com outros modelos vitoriosos de desenvolvimento regional sustentável e contextualizado em outros estados.

Em 2009 iniciou o curso superior de Serviço Social, área em que já acumula vasta experiência, conquistada na luta diária com os movimentos sociais e na qual pretende continuar buscando novas possibilidades de desenvolvimento para o homem do campo, para a juventude tucanense e para os demais municípios do semiárido baiano.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Assalto?

Tem algumas coisas que você nunca imagina que vão acontecer com você. Quando menos se espera, você pode está diante de uma delas.

Foi assim que aconteceu na madrugada do dia 29 de março, por volta das 2h30. Eu voltava da cidade de Tucano (BA) para Salvador, quando o ônibus foi abordado por cinco elementos, já dentro da cidade de Feira de Santana. Todos os 14 passageiros dormiam, inclusive eu, que acordei, imagino, com o balanço do ônibus provocado pela estrada de chão irregular. Estávamos fora da BR 116, de onde a quadrilha obrigou o motorista a sair, depois de tomar o veículo quando este reduziu a marcha para passar sobre a lombada.

A primeira imagem que vi e as cenas que se seguiram permanecerão por muito tempo na memória, até porque, infelizmente, a possibilidade de acontecer novamente existe. Eram quatro homens e uma mulher, todos fortemente armados. Quando acordei e olhei na direção das primeiras poltronas, vi que o primeiro homem avançava na direção do fundo, portando uma arma que parecia uma espingarda calibre 12. Ele andava cautelosamente, passo a passo, com a arma sempre apontada para as poltronas. Atrás dele entravam mais dois, armados com grandes revólveres e gritando: “O dinheiro, passa o dinheiro”, sempre com um vocabulário estressado e intercalado com palavrões.

As pessoas iam acordando, entregando tudo que possuíam, ainda meio inertes, tentando entender o que, de fato, estava acontecendo. Entregamos celulares, relógios, sacolas... Tudo! Do lado de fora, escuridão. Poucas pessoas devem ter ousado olhar para fora. “Bora, passa tudo”, gritavam, sempre em movimento, eufóricos. Não deixavam nada.
Apesar do medo, eu conseguia pensar em muita coisa. É possível pensar em um monte de coisas quando se tem uma arma daquele tamanho na direção do seu peito. Para mim, por exemplo, foi inevitável pensar na educação do país, na falta de oportunidades, no individualismo, na desigualdade e exclusão social. Eles não tinham nada a perder. Fora daquele ônibus, onde eles tinham o poder, certamente não existia um trabalho decente, uma escola que lhes ensinassem alguma coisa que fizesse sentido para suas vidas, uma família que os acolhessem com amor e lhes mostrassem a diferença entre praticar o bem e o mal.

Em 2006, o IBGE apontou que cerca de 14 milhões de pessoas passam fome no Brasil, sem contar as cifras dos desempregados. Enquanto isso, tantos outros desfilam nas ruas com automóveis que não podem pertencer nem ao imaginário do trabalhador assalariado brasileiro. À primeira vista eu não consigo condenar quem me levou dinheiro, celular, roupas e outras coisas baratas. Claro que incomoda. Fazer alguma coisa forçada é sempre desconfortável. Mas até que eu encontre outra razão plausível que explique tais ações, só posso concluir que há uma ligação direta, causa e consequência, com outros problemas brasileiros. O país ainda não conseguiu sair da contra-mão. Ainda vivemos imersos na cultura da separação, da segregação do negro e do branco, do rico e do pobre. Somos um povo que aplaude a polícia quando ela enjaula um ladrão de ovos, de galinha, e ainda estamos perdendo nosso senso de lógica, a partir do momento em que estamos aceitando com normalidade falcatruas que envolvem políticos roubando milhões de reais do orçamento público. Repito: são milhões as pessoas que passam fome no país.

De tudo, restou-me a certeza de que é preciso aproveitar ao máximo cada minuto dessa vida, 10 reais esquecidos em um dos bolsos da calça, um cobertor e a lembrança de uma criança que esteve na cena dizendo: “Eu fiquei assustado”. O resto foi tudo para o BO.

Bahia promove III Conferência Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação


Durante os dias 15, 16 e 17 de março, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), promoveram uma ampla discussão no âmbito da ciência, da tecnologia e da inovação, com a participação da sociedade civil, empresariado, poder público e movimentos sociais. Durante o encontro, os participantes abordaram temas como educação, meio ambiente, desenvolvimento urbano e rural e o uso de tecnologias sociais.

Com o tema Desenvolvimento Sustentável da Bahia, os participantes puderam discutir o cenário nacional e estadual de políticas públicas voltadas à Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). No segundo dia de atividade, o debate esteve voltado à inserção da Bahia e do Brasil na nova geopolítica. Dentro do cenário baiano, o secretário do Planejamento do estado, Walter Pinheiro, destacou a importância das pesquisas em tecnologia para a implantação de projetos de governo e também sobre o acesso da população à banda larga, tema que atualmente está em evidência, resultado, inclusive, de propostas encaminhadas nos debates de comunicação em todo o Brasil. Na oportunidade, o secretário informou que as capitais do país têm até o dia 31 de dezembro para disponibilizarem banda larga gratuita para a população.

O uso das Tecnologias Sociais (TS) para o desenvolvimento social das comunidades alimentou o debate na parte da tarde. Uma preocupação geral da plenária dizia respeito à manutenção dos Centros Digitais de Cidadania (CDC) implantados na Bahia. Os espaços são inseridos nas comunidades, garantindo às pessoas que residem no local acesso gratuito à internet, mas depois não têm como serem mantidos, pois não dispõem de nenhuma verba privada ou governamental. Durante a concretização das atividades, foi encaminhada como proposta a criação e adoção de uma cota por parte do governo para ajudar no custeamento dos centros.

A educação na Bahia ganhou destaque na conferência, que contou com a participação do secretário estadual, Osvaldo Barreto. A professora Dora Leal (UFBA) trouxe um panorama da Bahia em comparação a outros estados do país, evidenciando, através de dados, a importância do fomento a novas pesquisas e também para a criação de novos cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado, como medidas para alavancar a posição baiana dentro do ranking nacional. Dora Leal também destacou a importância da criação de novos programas de pesquisa, como possibilidade de implementar ainda mais a produção científica brasileira, o que contribuiria significativamente para o desenvolvimento de novas tecnologias, evolução da ciência e aperfeiçoamento das ferramentas atualmente disponíveis a serviço da sociedade.

Os participantes aproveitaram a presença de especialistas e pesquisadores em diversas áreas da tecnologia, desenvolvimento urbano e ambiental, além da educação, e promoveram um espaço de debate acerca de questões polêmicas como desenvolvimento versus meio ambiente, tecnologia, democratização da comunicação e desenvolvimento social, dentre outras.

Como encaminhamento final da III Conferência Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, foram aprovadas as diversas propostas elaboradas pelos cinco grupos temáticos, as quais serão levadas à etapa regional e nacional da conferência. Dentre as proposições que mereceram destaque se encontra a inserção de conteúdo sobre as Tecnologias Sociais nas escolas como forma de garantir acesso educativo e de qualidade e a disponibilização gratuita de conhecimento produzido via financiamento público (projetos e editais, dentre outros).

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Certidão de Nascimento

Prezado leitor

As coisas poderiam estar transitando em órbita normal, regular, mas não estão. Por onde quer que ande, encontrará infinitas controvérsias, desprezíveis. No entanto, a depender de como olhe, poderá encontrar casos dignos da apreciação humana.

Hoje, 1 de abril de 2010, nasce Retratos Avessos para mostrar a verdadeira face e também a outra cara de tantas histórias possíveis de serem encontradas pela Bahia e pelo Brasil. Nada por aqui é normal. O banal tem uma outra existência, um novo sentido, construído a partir de um modo diferente de olhar.

Retratos Avessos tem um lado, uma posição política e social. Já nasce com uma identidade. Preocupamo-nos com o desenvolvimento social, econômico e intelectual das pessoas. Defendemos a bandeira da democracia e, assim, assinamos embaixo das ações focadas nesse propósito. Estamos no campo e na cidade, na capital e no interior. Buscaremos o popular, o simples. Vislumbramos a possibilidade do debate sadio, a participação democrática da sociedade nos debates e na construção das políticas públicas e, finalmente, lutamos pela garantia dos direitos humanos, que são básicos.

A ideia de montar um espaço como este vem se inquietando na memória há algum tempo. Restava, talvez, um pouco de amadurecimento da metodologia a ser aplicada, as concepções a serem adotadas. As motivações vêm de todas as partes: viagens, leituras, trabalho, faculdade, amigos... Contudo, há um ser nesse mundo que, assim como eu, nunca se cansa de acreditar na possibilidade de construção de um mundo mais igual, mais humano. Por isso, sinto-me extremamente honrado em dedicar este trabalho a Lívia Fauaze, uma mulher de caráter, de personalidade inigualável, responsável por estimular a germinação dessa semente.

E para que essa semente cresça e produza bons frutos, o primeiro texto de Retratos Avessos traz uma rápida reflexão sobre o nosso lugar de olhar, muitas vezes preconceituoso e estigmatizado. Do lado de lá. Ou de cá mostra que a distância que separa ricos e pobres, negros e brancos poderia ser menor, a começar por um simples detalhe: o modo de olhar.

Espero que Retratos Avessos seja capaz de lhe proporcionar uma forma diferente de olhar as coisas, que ele possa contribuir para a construção de um novo mundo, melhor.

Josevaldo Campos, editor

Do lado de lá. Ou de cá

Hoje, em meio a tantas atribuições e pensamentos noturnos, dei-me o luxo de parar para pensar. São inquietações antigas, algumas, inclusive, devem existir há séculos.

Volto um pouco na rotina corrida deste último dia. Demoro até chegar onde gostaria. É do outro lado da cidade, mas ainda estou sobre as terras da capital dessa majestosa baía de Todos os Santos. Entro no ônibus, depois de uma espera angustiante. Na próxima parada uma multidão aguarda por aquela que pode ser a última oportunidade de chegar em casa. Depois de dez minutos parados, seguimos. Tão logo passasse uma hora, chegaríamos, enfim, do outro lado da cidade.

Uma composição de minutos e segundos divide a cidade em dois extremos geográficos, em duas realidades distintas, desiguais. De que lado estou? De que lado você está? Do lado de lá vejo um emaranhado de cores, sem vida, que tentam insistentemente alcançar o céu. Do lado de cá, tons de cinza colorem uma aparente vontade de sobreviver num espaço milimétrico, em condições precárias. Para se chegar aqui é a mesma distância para se chegar lá, embora seja mais distante, impossível e improvável se chegar aqui. De um lado, os abastados, do outro, os castigados. De onde escrevo agora é um lugar totalmente desconhecido, de onde, certamente, você que mora lá, não sabe. Nós, do lado de cá, conhecemos muito bem vocês, do lado de lá. E a recíproca não é verdadeira. O que vocês, de lá, têm, a gente sabe e imagina. Os que temos por aqui vocês desconhecem e ignoram, embora seja a mesma cidade e a mesma distância. Seja qual for o lado que você está, estamos no mesmo lugar. Assim é a Salvador, desigual, de quase todos os santos, não fosse um detalhe importante: a forma e o lugar do olhar. Quem está do lado de lá ou de cá, na verdade, não é possível de se definir. A praia do Porto da Barra está para Salvador assim como a de Base Naval está para a baía, com ou sem santos. Do lado de cá ou de lá depende unicamente do seu olhar.