domingo, 26 de dezembro de 2010

As favelas do Rio, as UPPs e a criminalização da pobreza

Muitas pessoas me perguntaram por quê eu não tinha escrito nada sobre as recentes ações da polícia nas favelas do Rio de Janeiro. Respondi-lhes que estava lendo o que especialistas e não-especialistas estavam dizendo sobre o assunto, para me certificar de que minha opinião sobre a total criminalização da pobreza pela polícia não era irrelevante e exclusiva, tampouco que a prática adotada representava qualquer novidade.

A *ocupação das favelas como a do Complexo do Alemão e Vila Cruzeiro segue o paradigma de que a criminalidade e o tráfico de drogas estão presentes apenas nas comunidades pobres. O que se tenta esconder, com a ajuda da maquiagem posta cuidadosamente pela mídia, são os traficantes poderosos, que moram muito longe das favelas, e disputam o poder do Estado com o próprio Estado, com as milícias... O tráfico de drogas e de armas, no Rio de Janeiro e em qualquer outra parte do mundo, é um negócio muito complexo, que não está à disposição de qualquer morador de favela, desses que são pegos em bailes funks, ou portando uma arma, ou em posse de alguns quilos de cocaína ou de maconha.

O que acontece, e isso eu já disse aqui neste blog em outros textos, é que a polícia não vai invadir o barraco de um branco, para ser modesto. A Rocinha está para a PM assim como São Conrado está para o BOPE. Ninguém quer pagar o preço ou se arriscar a pôr em xeque o sossego de quem mora no Leblon, Ipanema, Copacabana... E essa não é uma realidade exclusiva do povo carioca, repito. MC Leonardo, presidente da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk), morador da favela da Rocinha, cantor e compositor, lembra: “Quem abastece as favelas com tantas armas e drogas não vai ter um soldado do BOPE em sua casa, sem mandado judicial, perguntando onde está o seu chefe e lhe ameaçando cobrir a cabeça com um saco plástico”. Acrescento: Nenhum juiz quer emitir mandado judicial para tanto.


Além do problema que envolve a criminalização da pobreza na invasão das favelas, segundo especialistas do Direito, muitas destas operações são ilegais. Para o cientista político e juiz de direito da Associação Juízes para a Democracia (AJD), João Batista Damasceno, as duas primeiras questões, as quais destaco aqui, estão na violação dos domicílios. “A Constituição prevê que a casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém podendo nela penetrar sem o consentimento do morador, salvo em flagrante de delito, ou desastre, para prestar socorro, ou determinação judicial. A segunda violação é a prisão para averiguação. Segundo a Constituição, um dos direitos fundamentais é que ninguém será preso se não em flagrante de delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária. De antemão, temos duas flagrantes violações à Constituição. As invasões aos domicílios sem nenhum mandado estão sendo feitas sem controle judicial. E o Judiciário também está se omitindo em realizar um controle que lhe compete. Tudo que está sendo feito lá está sendo feito à margem das instituições, da legalidade”.

Em parceria com a mídia, o Estado carioca vai criando para alguns a sensação de segurança, e de que o trabalho das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) darão conta do problema, que é resultado da falta de investimentos em saúde, educação, lazer, segurança... “Matar não adianta nem prender. O Estado tem que entrar com todas as secretarias na favela, não só com a de segurança”, defende MC Leonardo. “Mas, se o Estado der educação, sabe que terá o dobro de gente para fazer esse mesmo debate que estamos fazendo e isso não vai ser bom para eles”, contesta Leninha, diretora da Associação de Moradores da Vila Operária de Duque e Caxias, no Rio.

Há muito o que mudar. Ou melhor, tudo precisa mudar. No caso do Rio de Janeiro, em especial, minha sugestão é que se comece pela postura do então governador, Sérgio Cabral, que defende que “as barrigas das mulheres pobres são fábricas de marginais”. Depois, analisar se a instalação das UPPs como tomada de território dominados pelos traficantes ou pelas milícias pode, verdadeiramente, ajudar no combate ao tráfico de drogas e à criminalidade. Eu não acredito, não dessa forma isolada como se tem feito. Além disso, não vai adiantar muito desarmar o “preto do morro” se o “branco do asfalto” está comercializando, livremente, drogas nas baladas caras da Barra e do Leblon.

Por fim, só me resta recorrer ao questionamento do delegado de polícia Orlando Zaconne, em depoimento à revista Caros Amigos: “O que vai vir depois da polícia?”.

 
* Não sei exatamente porquê, mas, ao ler a palavra, lembrei-me do MST  e de outros movimentos sociais. Achei interessante o uso do termo por grande parte da mídia, ao invés de invasão, expressão muito utilizada por moradores das comunidades durante as operações das polícias. Optei por usar as duas, para evitar debates desnecessários.

Josevaldo Campos
Foto: O Globo Online

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Evento promovido por estudantes discutirá a comunicação como instrumento de combate e superação às opressões

Em abril de 2011, a cidade de Salvador receberá estudantes de comunicação social de várias partes do Brasil para a próxima edição do Encontro Regional dos Estudantes de Comunicação (ERECOM). O objetivo do encontro, que acontece anualmente, é discutir as diversas vertentes que perpassam a atividade de comunicação, desde a formação nas academias, e também iniciar o debate para a edição nacional (ENECOM), também realizado todos os anos.

Em 2011, o debate será sobre o papel da comunicação como instrumento de combate e superação às opressões, contemplando temas como a democratização da comunicação, criminalização da pobreza, diversidade cultural e discriminação racial. O cenário, segundo membros da organização do evento, não poderia ser mais oportuno, uma vez que Salvador possui uma população com mais de 80% de afrodescendentes e é considerada a cidade mais negra fora do continente africano.

O evento acontecerá de 20 a 24 de abril, na Universidade Católica do Salvador. Maiores informações, acesse: www.erecomsalvador2011.blogspot.com

Josevaldo Campos