quarta-feira, 23 de maio de 2012

O caso Mirella Cunha e o jornalismo indigesto

É claro que assinei o abaixo-assinado e a carta aberta de jornalistas sobre abusos de programas policialescos e sensacionalistas na Bahia. Foi o primeiro manifesto da consciência depois de assistir ao vídeo onde a deprimente e faz de conta de repórter Mirella Cunha, da TV Band Bahia, tenta, de forma desesperada e infeliz, alçar seu “profissionalismo” através de total desrespeito ao Código de Ética dos Jornalistas, aos direitos humanos e à Constituição Federal.

Embora acusado de roubo e estupro, não são os possíveis crimes cometidos pelo jovem, negro, identificado como Paulo Sérgio que gera indignação naqueles quem têm coragem e estômago de assistir ao vídeo na íntegra. As investidas da jovem Mirella Cunha, loira, identificada como repórter do programa Brasil Urgente (Bahia), em cima do desconhecimento do garoto sobre temas nem tão abordados assim pela mídia, causa repulsa. E lágrimas.

Confesso que por ser jornalista, negro e jovem essa aversão à postura da jovem Mirella Cunha esteja factível às influências. Mas, ao mesmo tempo, as inúmeras manifestações de repúdio Brasil afora indicam justamente o contrário. E Mirella não está sozinha. Ela representa, de uma das formas mais aberrante e desprezível possível, uma grande parcela de pessoas que se julgam jornalistas, repórteres e também de emissoras que apostam (e jogam sujo) na prática de um jornalismo descompromissado com o desenvolvimento social. Para estes, o que vale é o crescimento da audiência, não importando os caminhos para se chegar lá.

A boa conduta social e o respeito ao próximo manda que cada cidadão cumpra com seus deveres e respeite os direitos alheios. O descumprimento pode (e deve) incorrer em punições jurídicas. Contudo, o mesmo não acontece com programas que abusam da boa sensibilidade e extrapolam todas as fronteiras possíveis do respeito ao cidadão. Em nome dessa tal audiência, infligem leis e ignoram as obrigações e continuam desfrutando das concessões públicas. E o resultado mais imediato é a criação de distorções e de heróis da miséria alheia, tal qual nossa personagem da semana.

Clique aqui e confira o vídeo através do Youtube.

Josevaldo Campos

terça-feira, 15 de maio de 2012

O poder de uma capa de jornal

Apesar de saber a resposta, eu ainda insisto em, diariamente, após ler os principais jornais da Bahia, fazer uma pergunta inevitável: por que os fatos negativos ganham tanto destaque nesses veículos e sempre são premiados com a capa. A afirmativa de que as notícias ruins em relação às positivas têm mais aceitação, chamam mais a atenção do público leitor me parece muito superficial. Seria mais ou menos o mesmo que afirmar que os leitores são, por assim dizer, uma espécie avançada de masoquista-observador.

 Conheço, por exemplo, muitas experiências positivas que são realizadas em Salvador e em outras cidades da Bahia que não estão nesses jornais. Não é difícil procurar muito para encontrar jovens protagonistas, ONGs que atuam com projetos sociais através de metodologias brilhantes, pauta suficiente para encher as editorias de todos os jornais que circulam hoje pelas mãos dos baianos. Mas estas boas práticas não têm espaço. O olhar (aguçado) dos jornalistas (?) que trabalham nesses veículos são treinados para enxergar apenas mortes, roubos, sequestros, prostituição… Notícia boa? Para eles só quando alguém é preso ou um criminoso é morto. Seja lá como for, o sangue, a tristeza, o medo, o choro precisam estar presentes.

Quando eu estava no segundo semestre do curso de comunicação, tive a oportunidade de trabalhar em um dos principais jornais da Bahia. Agradeci, sob o argumento de que precisava ganhar mais experiência. Menti. Reconheço que minha recusa tinha em sua essência alguns resquícios de estudante-de-jornalimo-que-sonha-mudar-o-mundo. Eu não via (e ainda não a vejo) a bendita da comunicação social propriamente dita nas palavras impressas naquele papel caro. Isso tem feito com que eu não me arrependa das escolhas tomadas.

Eu ainda acredito que um dia experiências como a do Coletivo Regional Juventude e Participação Social, grupo organizado de jovens que atua no semiárido baiano, terá espaço na capa destes jornais. O trabalho é inteligente, envolve direta e indiretamente mais de dois mil jovens de 25 municípios. O que eles fazem por lá muita gente grande não sabe fazer por aqui. Há, apesar de raras, como se sugere, as exceções. Volta e meia encontramos uma alegria perdida em alguma página de um ou dois jornais. Nada mais.

Os jornais têm o poder de influenciar o que será lido por crianças, adolescentes e jovens, e contribuir para uma formação sadia. Então por que não apresentar-lhes no cardápio opções saborosas, que contribuirão para uma boa digestão?

Para se fazer um jornalismo melhor, mais social, não é necessário esconder a realidade, mas ao menos apresentá-la por completo. Posso, um dia, pagar caro por estas palavras, mas esse hoje é meu pensamento, a minha consciência. E vale ressaltar que o que penso ou estas palavras que vos escrevo nunca ocupará as páginas caras desses jornais. Não necessariamente porque não tem sangue, mas pelo risco que ela oferece de educar.

Josevaldo Campos