segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Lamarão: canção do êxodo

A matéria do jornal baiano A Tarde estampa, na edição de domingo (26): “Lamarão: pobreza é reflexo do fraco desempenho social”. Leio todo o texto, assinado por Jamile Amine. Lamarão é uma cidade. A matéria foi para falar da posição do município no Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM): segundo pior do Brasil. Aproveito para fazer algumas rápidas reflexões.

Eu nasci em Lamarão, na zona rural. Em 94, eu e minha família migramos para Salvador, vítimas forçadas do êxodo rural e da total inexistência de políticas públicas que pudessem oferecer qualquer possibilidade de continuar na região. A grande seca daquele ano não permitiu quem tinha muito pouco continuar vivendo por lá. Não gostaria de ter saído. A rotina corrida da capital ou de qualquer outro centro urbano, definitivamente, não compensa, no fim das contas.

Mas a zona rural tem se transformado cada vez mais nos grandes centros urbanos. Fico triste quando viajo para algumas cidades do interior e as diferenças com as “metrópoles” são cada vez menores. Os problemas daqui estão chegando lá numa velocidade assustadora. Aquela sensação bacana de sentir as ricas diferenças culturais quase já não existe.

A gente sonhava muito com melhores condições de vida em Lamarão. Gostaríamos de não ter que andar 10km para encher um balde d’água para beber e retornar com um pouco a menos de tanto andar e derramar; enfrentar uma maratona diária de mais de 20km para ir e voltar da escola; plantar alimentos para subsistência e esperar que Deus fosse generoso e mandasse chuva no tempo certo. E nem sempre tudo dava certo e as nossas preces eram atendidas.

Para quem teve a experiência de viver um pouco da realidade retratada acima sabe que hoje muitas coisas melhoraram, embora Lamarão apareça liderando, negativamente, o ranking do IFDM. A luz tímida dos candeeiros (fifós) cedeu lugar para a força da elétrica; água tem na porta; é possível irrigar, garantir o alimento que saciará a fome dos meninos e, assim, ocupar Deus com outros afazeres. Mas ainda há muito o que fazer para que Lamarão, retrato de muitas cidades brasileiras, torne-se um lugar cada vez mais dignamente habitável. O meu sonho e, com certeza, o de muita gente, continua sendo o de que Lamarão melhore, que o povo possa plantar, colher, alimentar e educar seus filhos. E mais do que tudo: que ela continue sendo ela mesma. Cidade grande é ilusão, ópio dos piores.

Sinto muita saudade da minha terra, que não é, com certeza, a  mesma de Gonçalves Dias, mas onde os sabiás também gorjeiam melhor do que os daqui, e o céu, incomparavelmente, tem mais estrelas.

Para falar a verdade, eu nunca vi um sabiá por aqui!


Josevaldo Campos

3 comentários:

  1. Belo texto. Tive a oportunidade de trabalhar como representante de vendas também em Lamarão e conhecer esse problema de perto.
    Infelizmente falta vontade política para mudanças.

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  2. Ótimo texto. Como acontece na maioria das pequenas cidades, a inexistência de políticas públicas é um grande problema.
    Faz tempo que não vou a Lamarão entao não deve falar muito. Seca: um dos maiores problemas para zona rural, nao só para zona rural nem so para Lamarão, porque quando chego na casa da minha mãe povoado de Conceição do Coité o problema se repeti, posso ver de perto o sofrimento daquela gente a cada a no de seca para adquirir água, isso porque lá tem água encanada imaginem. E sem dúvida não foi só você que enfrentou esse tipo de problema, tem muita gente passando por isso ainda infelismente.

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  3. Caro Joseval, quero te parabenizar pela matéria e pelo Blog. Moro em Barrocas cidade próxima da sua terra natal Lamarão, quando comecei a ler seu texto me senti de certa forma dentro dessa realidade, Barrocas é uma cidade em desenvolvimento, mais quando você fala que os problemas dos grandes centro tem chegado às nossa pequenas cidade sinto que estamos nesse mesmo contexto.
    Acesse o nosso blog: jornalanossavoz.blogspot.com

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