domingo, 26 de dezembro de 2010

As favelas do Rio, as UPPs e a criminalização da pobreza

Muitas pessoas me perguntaram por quê eu não tinha escrito nada sobre as recentes ações da polícia nas favelas do Rio de Janeiro. Respondi-lhes que estava lendo o que especialistas e não-especialistas estavam dizendo sobre o assunto, para me certificar de que minha opinião sobre a total criminalização da pobreza pela polícia não era irrelevante e exclusiva, tampouco que a prática adotada representava qualquer novidade.

A *ocupação das favelas como a do Complexo do Alemão e Vila Cruzeiro segue o paradigma de que a criminalidade e o tráfico de drogas estão presentes apenas nas comunidades pobres. O que se tenta esconder, com a ajuda da maquiagem posta cuidadosamente pela mídia, são os traficantes poderosos, que moram muito longe das favelas, e disputam o poder do Estado com o próprio Estado, com as milícias... O tráfico de drogas e de armas, no Rio de Janeiro e em qualquer outra parte do mundo, é um negócio muito complexo, que não está à disposição de qualquer morador de favela, desses que são pegos em bailes funks, ou portando uma arma, ou em posse de alguns quilos de cocaína ou de maconha.

O que acontece, e isso eu já disse aqui neste blog em outros textos, é que a polícia não vai invadir o barraco de um branco, para ser modesto. A Rocinha está para a PM assim como São Conrado está para o BOPE. Ninguém quer pagar o preço ou se arriscar a pôr em xeque o sossego de quem mora no Leblon, Ipanema, Copacabana... E essa não é uma realidade exclusiva do povo carioca, repito. MC Leonardo, presidente da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk), morador da favela da Rocinha, cantor e compositor, lembra: “Quem abastece as favelas com tantas armas e drogas não vai ter um soldado do BOPE em sua casa, sem mandado judicial, perguntando onde está o seu chefe e lhe ameaçando cobrir a cabeça com um saco plástico”. Acrescento: Nenhum juiz quer emitir mandado judicial para tanto.


Além do problema que envolve a criminalização da pobreza na invasão das favelas, segundo especialistas do Direito, muitas destas operações são ilegais. Para o cientista político e juiz de direito da Associação Juízes para a Democracia (AJD), João Batista Damasceno, as duas primeiras questões, as quais destaco aqui, estão na violação dos domicílios. “A Constituição prevê que a casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém podendo nela penetrar sem o consentimento do morador, salvo em flagrante de delito, ou desastre, para prestar socorro, ou determinação judicial. A segunda violação é a prisão para averiguação. Segundo a Constituição, um dos direitos fundamentais é que ninguém será preso se não em flagrante de delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária. De antemão, temos duas flagrantes violações à Constituição. As invasões aos domicílios sem nenhum mandado estão sendo feitas sem controle judicial. E o Judiciário também está se omitindo em realizar um controle que lhe compete. Tudo que está sendo feito lá está sendo feito à margem das instituições, da legalidade”.

Em parceria com a mídia, o Estado carioca vai criando para alguns a sensação de segurança, e de que o trabalho das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) darão conta do problema, que é resultado da falta de investimentos em saúde, educação, lazer, segurança... “Matar não adianta nem prender. O Estado tem que entrar com todas as secretarias na favela, não só com a de segurança”, defende MC Leonardo. “Mas, se o Estado der educação, sabe que terá o dobro de gente para fazer esse mesmo debate que estamos fazendo e isso não vai ser bom para eles”, contesta Leninha, diretora da Associação de Moradores da Vila Operária de Duque e Caxias, no Rio.

Há muito o que mudar. Ou melhor, tudo precisa mudar. No caso do Rio de Janeiro, em especial, minha sugestão é que se comece pela postura do então governador, Sérgio Cabral, que defende que “as barrigas das mulheres pobres são fábricas de marginais”. Depois, analisar se a instalação das UPPs como tomada de território dominados pelos traficantes ou pelas milícias pode, verdadeiramente, ajudar no combate ao tráfico de drogas e à criminalidade. Eu não acredito, não dessa forma isolada como se tem feito. Além disso, não vai adiantar muito desarmar o “preto do morro” se o “branco do asfalto” está comercializando, livremente, drogas nas baladas caras da Barra e do Leblon.

Por fim, só me resta recorrer ao questionamento do delegado de polícia Orlando Zaconne, em depoimento à revista Caros Amigos: “O que vai vir depois da polícia?”.

 
* Não sei exatamente porquê, mas, ao ler a palavra, lembrei-me do MST  e de outros movimentos sociais. Achei interessante o uso do termo por grande parte da mídia, ao invés de invasão, expressão muito utilizada por moradores das comunidades durante as operações das polícias. Optei por usar as duas, para evitar debates desnecessários.

Josevaldo Campos
Foto: O Globo Online

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Evento promovido por estudantes discutirá a comunicação como instrumento de combate e superação às opressões

Em abril de 2011, a cidade de Salvador receberá estudantes de comunicação social de várias partes do Brasil para a próxima edição do Encontro Regional dos Estudantes de Comunicação (ERECOM). O objetivo do encontro, que acontece anualmente, é discutir as diversas vertentes que perpassam a atividade de comunicação, desde a formação nas academias, e também iniciar o debate para a edição nacional (ENECOM), também realizado todos os anos.

Em 2011, o debate será sobre o papel da comunicação como instrumento de combate e superação às opressões, contemplando temas como a democratização da comunicação, criminalização da pobreza, diversidade cultural e discriminação racial. O cenário, segundo membros da organização do evento, não poderia ser mais oportuno, uma vez que Salvador possui uma população com mais de 80% de afrodescendentes e é considerada a cidade mais negra fora do continente africano.

O evento acontecerá de 20 a 24 de abril, na Universidade Católica do Salvador. Maiores informações, acesse: www.erecomsalvador2011.blogspot.com

Josevaldo Campos

sábado, 20 de novembro de 2010

"A minha consciência não tem uma cor. Ela é multicolorida".


A minha consciência não tem uma cor. Ela é multicolorida.
Viva a diversidade e a grandiosidade de quem sabe respeitar as diferenças de cada um.

20 de novembro - Dia da Consciência Negra.

Uma homenagem de Retratos Avessos a todos aqueles que contribuem para a construção de um mundo melhor, de um mundo mais igual.


Josevaldo Campos

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Dilma presidente: um mérito dos nordestinos, mas também de todos os brasileiros que defendem um país cada vez melhor e sem preconceitos

Dilma           Serra
Ao tentar se mostrarem superiores frente aos nordestinos, os paulistas, com suas encenações criminosas, reforçam o estereótipo de povo arrogante que ostentam.

Munidos de conceitos racistas e preconceitos infundados, eles vêm utilizando as redes sociais para difundir mensagens contra o povo nordestino, numa visível falta de respeito e confiança na impunidade, respaldando-se na hipótese de que a presidente eleita, Dilma Rousseff, só conseguira tal pleito devido à votação unânime nos estados da região Nordeste do país.

Estas formas de manifestação tratam-se, verdadeiramente, de atitudes racistas e inconsequentes, como a da paulista Mayara Petruso, de 21 anos, que, embora não seja a única, serve como exemplo. Ela, que é estudante de direito, embora isso não seja motivo para nenhuma ressalva honrosa diante de outro curso, publicou no seu twitter a repugnante frase: “Nordestino não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado”. Mayara pode (e deve) ser condenada, junto com outros internautas que postaram frases de mesmo cunho, por crime de racismo e incitação ao crime.

São, visivelmente, pessoas desqualificadas para fazer qualquer tipo de análise política, vide pela negligência da vitória da candidata petista em estados ditos “escolarizados” como Rio de Janeiro e Minas Gerais, e da pequena diferença de votos em relação a Serra no Espírito Santo, de apenas 1%, mesmo percentual no Rio Grande do Sul. Embora pareça desnecessário, mas pela gentileza nordestina que carrego no sangue baiano, vou reavivar a memória dos paulistas desavisados: Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo localizam-se na região Sudeste do país. Precisa dizer qual é o quarto e último estado dessa região? Rio Grande do Sul, como o próprio nome já sugere...Região Sul, para não restar dúvidas!

Será que realmente foram os nordestinos os únicos responsáveis pela vitória histórica da primeira mulher presidente do Brasil? Não, e não queremos esse mérito todo para nós. Estamos orgulhosos, sim, mas temos a humildade de reconhecer que os 26 estados e o Distrito Federal foram responsáveis por esse momento únice na história da política brasileira.


Josevaldo Campos

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Criação do Conselho de Comunicação na Bahia preocupa os falsos comunicadores

A criação do Conselho de Comunicação na Bahia é uma vitória celebrada por aqueles que defendem uma comunicação democrática e ética. Há muito anos, sociedade civil, poder público e veículos de comunicação preocupados com o formato da comunicação no país vêm se reunindo com o intuito de discutir e enumerar propostas para o setor. E estes debates, ao contrário do que se pratica na mídia vigente, têm sido democráticos. Para destacar, dentro do cenário baiano, cito a I Conferência Estadual de Comunicação, realizada em agosto de 2008. Só não participou quem não quis.

A Bahia tem avançado muito no debate da comunicação. Piauí e Alagoas já se preparam para inaugurar seus conselhos. A Assembleia Legislativa do Ceará também aprovou a criação do órgão. A crítica do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, ao sugerir que "isso aparenta ser um movimento concertado entre vários líderes políticos com o intuito de restringir o papel da imprensa" é infundada. Infundada porque as propostas contidas no documento que será encaminhado à apreciação dos deputados estaduais baianos visam tão somente “auxiliar na elaboração de políticas públicas”, como afirmou o secretário de Comunicação, Robison Almeida.

O que estou farto de ver é muita gente, inclusive jornalistas renomados, quer seja pela cômoda manutenção de seus altos salários, quer pela posição imposta pelos veículos onde trabalham, criticando qualquer iniciativa que vise melhorar a comunicação. São profissionais indispostos a debater, a comunicar, e empresas com medo que se crie um modelo de fiscalização que, ainda sem censura, provaria, de forma legal, que elas estão aquém do que se preza denominar de comunicação, no sentido ético e profissional da palavra.

O discurso dos críticos oportunistas é sempre vazio, monossilábico e fácil de identificar. Em geral, resume-se a palavras do tipo “censura”, “cerceamento”, “mordaça”, “afronta” à liberdade de imprensa. Se o modelo de renovação de concessões para rádios e TVs no Brasil fosse metade parecido com o dos Estados Unidos ou da Inglaterra, por exemplo, correríamos o risco de ficar sem estes veículos, salvos por raríssimas exceções.

Representantes de organismos baianos ligados à imprensa, os quais nunca foram vistos nos espaços de debate sobre a democratização da comunicação, sentem-se no direito de sair proferindo, sem ao menos se levantarem de seus tronos, condenações camufladas em um falso moralismo que é de dar medo. Defendo o posicionamento de organizações que desde o começo estão nessa luta, como é o caso da ONG Cipó Comunicação Interativa.

Repito. A criação do Conselho de Comunicação na Bahia é uma vitória celebrada por aqueles que defendem uma comunicação democrática e ética. Para os que sempre praticaram a antiética, tal medida “afronta” suas convicções.

Josevaldo Campos, estudante de comunicação social

domingo, 24 de outubro de 2010

A esperança do povo brasileiro tem vencido o medo de Regina Duarte

Artistas e intelectuais declaram apoio à Dilma

Esta semana fiquei feliz em ver que grandes artistas e intelectuais que admiro reconhecem publicamente a transformação que o presidente Lula tem proporcionado ao país, e a importância da garantia do projeto que dará continuidade a estes avanços. São artistas de várias modalidades cujos potencias são inquestionáveis. Escritores como Frei Beto e Leonardo Boff, que há anos colaboram através de seus trabalhos com a criação de um Brasil mais igual, configuram testemunhas inquestionáveis quando o assunto é desenvolvimento do país. Músicos como Chico Buarque, Alceu Valença, Margareth Menezes, Chico César e Gilberto Gil também estão em sintonia. Mas o que mais me chama a atenção são os inúmeros atores e atrizes da Rede Globo, que, diferentemente dos jornalistas, conseguem se libertar das grades levantadas pela emissora e declarar seu apoio político à candidata pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Dilma Rousseff.

Isso me fez lembrar, imediatamente, de dois episódios interessantes. Primeiro, a dos atores e atrizes negros (as) como Zezé Motta e Milton Gonçalves, que tiveram a coragem de denunciar para as câmeras do documentarista Joel Zito Araújo o sistema opressor e extremamente racista que ocorre dentro da televisão de maior audiência do país. Estas raras cenas estão no documentário A Negação do Brasil. Segunda lembrança: De 2002, quando a atriz Regina Duarte gravou propagando pró Serra afirmando “ter medo de que voltasse a inflação”, de que o “Brasil perdesse toda a estabilidade conquistada”. Na época, ela foi alvo de pancadaria de muitos artistas e taxada até de terrorista, como declara o escritor Gilberto Dimenstein no texto Quem tem medo de Regina Duarte? Depois da vitória nas urnas, Lula respondeu, em pronunciamento em SP: “A esperança venceu o medo” e disse que o Brasil optava naquele dia para a mudança, sem medo de ser feliz. E mudou, muito! E regina? Bem, Regina calou-se!

Mais de 100 artistas assinaram, durante o evento, um manifesto de apoio à Dilma. Foi uma cerimônia muito bonita, pra tucano nenhum botar defeito. A esperança do povo brasileiro tem vencido o medo de Regina Duarte.

“Deixa Dima me levar, Dilma leva eu, deixa Dilma me levar, Dilma leva eu...” cantou a multidão puxada pela cantora Beth Carvalho.
 
Josevaldo Campos


sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Serra, o 13° apóstolo

Hoje, depois de acompanhar pacientemente as investidas do PSDB de Serra contra a campanha de Dilma nesse segundo turno, perdi a paciência. Serra tem ofuscado completamente a energia boa e positiva de fazer uma campanha limpa, de diálogo com a sociedade. O PSDB tem investido pesado na criação de mentiras contra a candidata petista e usado de forma anti-social e terrorista a Internet para disseminar estas atrocidades. Eles contam com a ajuda de uma elite preconceituosa e conectada com práticas ilegais, sobretudo com as pessoas menos informadas.

Serra tem impedido que a consciência política nasça e se perpetue de forma viva na sociedade. Tem pecado propositalmente e errado insistentemente. Sua última atitude desesperada incluiu os temas aborto e religião para prejudicar Dilma, com a criação de mentiras acerca do posicionamento da petista em relação  aos  assuntos, criando um ambiente em que nada contribui para uma discussão sadia, pelo contrário, ao disseminar mentiras polêmicas, Serra busca enganar as pessoas e se aproveitar politicamente.

Mas o povo brasileiro não pode ser tão ingênuo e sair acreditando em tudo que se diz por aí. É preciso desconfiar e pesquisar, ler, saber qual é, de fato, a verdade. E isso não é impossível de se fazer. Para começar, é importante selecionar de forma gastronômica o que será lido, eliminando as TVs e os jornais que causam indigestão. Dieta fácil de ser cumprida.

Como o assunto já está bastante em evidência, não cabe aqui prolongar. Mas pela postura hipócrita que a Igreja tem assumido durante esse processo político, vou acrescentar aqui algumas palavras da psicanalista Maria Rita Kehl em entrevista à revista CartaCapital:

É horrível que os candidatos tenham que aparecer ajoelhados comungando, dizendo que são a favor da vida…claro que são a favor da vida, quem é que não é?Agora, é a Igreja que não é a favor da vida. Aí é uma opinião minha. A ONG Católicas pelo Direito de Decidir me convidou para debater e elas pensam assim: a criminalização do aborto é uma questão contra a liberdade sexual da mulher, ponto. Não pode usar camisinha, porque a Igreja também é contra. Então é uma questão de dizer: sexo só dentro do casamento e só para ter filho. É isso, que não está escrito assim, mas é o que está dito. Se não pode usar preservativo, não pode evitar filho, não pode nem evitar infecções, epidemias como o HIV que mata milhões na África, que “a favor da vida” é esse?

No Novo Testamento consta que Judas, um dos 12 apóstolos de Jesus, perdeu sua designação por ter traído o grande mestre. Tentou se enforcar. José... Serra deve estar de olho nessa vaga.

Que Deus possa olhar pela sua alma. Amém?


Josevaldo Campos

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Eles até que se parecem...

Se for verdade o que noticiou o jornal Folha de S. Paulo na edição de hoje (30) em relação a Serra (candidato a presidente pelo PSDB) e o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, “Após ligação de Serra, Mendes para julgamento de ação do PT”, os dois, além das aparências físicas, igualam-se agora, também, na forma atropeladora e ilegal de agir. Não é muito difícil de acreditar que Serra realmente tenha ligado para o ministro, pedindo que ele desse um jeito de parar a votação em relação à obrigatoriedade de os eleitores apresentarem, além do título, documento com foto nas eleições do próximo domingo. Também, pede-se cautela em tomar como verdade algo noticiado na Folha, vide as tamanhas facetas que esta vem desempenhando, sobretudo no que diz respeito à grande disputa Dilma x Serra. Dispensa comentários.

A votação era um recurso apresentado pelo PT, que visa o cancelamento da obrigatoriedade do uso de mais de um documento no dia da eleição. Para Serra e companhia LTDA, a exigência de mais de um documento é lucro, porque muitas pessoas, sobretudo as que moram na zona rural e locais distantes das sessões eleitorais, correm o risco de esquecer um desses documentos e serem impedidas de votar... na Dima!

Sete dos dez juízes já haviam votado a favor do fim da obrigatoriedade, o que facilitaria a vida das pessoas. Se Mendes não tivesse infringido o processo legal, cada cidadão eleitor poderia votar com apenas o documento de identidade (RG), por exemplo.

Segundo informações do jurista Dalmo Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, em entrevista para o blog vi o mundo, um pedido de vistas (o que o ministro fez) só é possível quando há alguma dúvida a ser dirimida (esclarecida), o que não havia durante o processo de votação ,quando Mendes se pronunciou.

Já pensou se Dilma resolvesse se aproveitar da situação e levar essas informações, mesmo sem provas, como faz Serra, para a campanha? A Folha ia ser obrigada a pensar uma forma de anunciar, de forma amena, os pontos abaixo de zero de Serra, tamanha seria sua queda.

Josevaldo Campos

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Lamarão: canção do êxodo

A matéria do jornal baiano A Tarde estampa, na edição de domingo (26): “Lamarão: pobreza é reflexo do fraco desempenho social”. Leio todo o texto, assinado por Jamile Amine. Lamarão é uma cidade. A matéria foi para falar da posição do município no Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM): segundo pior do Brasil. Aproveito para fazer algumas rápidas reflexões.

Eu nasci em Lamarão, na zona rural. Em 94, eu e minha família migramos para Salvador, vítimas forçadas do êxodo rural e da total inexistência de políticas públicas que pudessem oferecer qualquer possibilidade de continuar na região. A grande seca daquele ano não permitiu quem tinha muito pouco continuar vivendo por lá. Não gostaria de ter saído. A rotina corrida da capital ou de qualquer outro centro urbano, definitivamente, não compensa, no fim das contas.

Mas a zona rural tem se transformado cada vez mais nos grandes centros urbanos. Fico triste quando viajo para algumas cidades do interior e as diferenças com as “metrópoles” são cada vez menores. Os problemas daqui estão chegando lá numa velocidade assustadora. Aquela sensação bacana de sentir as ricas diferenças culturais quase já não existe.

A gente sonhava muito com melhores condições de vida em Lamarão. Gostaríamos de não ter que andar 10km para encher um balde d’água para beber e retornar com um pouco a menos de tanto andar e derramar; enfrentar uma maratona diária de mais de 20km para ir e voltar da escola; plantar alimentos para subsistência e esperar que Deus fosse generoso e mandasse chuva no tempo certo. E nem sempre tudo dava certo e as nossas preces eram atendidas.

Para quem teve a experiência de viver um pouco da realidade retratada acima sabe que hoje muitas coisas melhoraram, embora Lamarão apareça liderando, negativamente, o ranking do IFDM. A luz tímida dos candeeiros (fifós) cedeu lugar para a força da elétrica; água tem na porta; é possível irrigar, garantir o alimento que saciará a fome dos meninos e, assim, ocupar Deus com outros afazeres. Mas ainda há muito o que fazer para que Lamarão, retrato de muitas cidades brasileiras, torne-se um lugar cada vez mais dignamente habitável. O meu sonho e, com certeza, o de muita gente, continua sendo o de que Lamarão melhore, que o povo possa plantar, colher, alimentar e educar seus filhos. E mais do que tudo: que ela continue sendo ela mesma. Cidade grande é ilusão, ópio dos piores.

Sinto muita saudade da minha terra, que não é, com certeza, a  mesma de Gonçalves Dias, mas onde os sabiás também gorjeiam melhor do que os daqui, e o céu, incomparavelmente, tem mais estrelas.

Para falar a verdade, eu nunca vi um sabiá por aqui!


Josevaldo Campos

sábado, 18 de setembro de 2010

A teoria do candidato Aleluia (DEM)

Que em época de campanha muitas cenas estranhas aparecem, isso não é novidade!
Mas alguns candidatos ultrapassam exageradamente o bom senso. O candidato ao senado na Bahia pelo DEM, José Carlos Aleluia, que hoje é deputado federal, postou na edição de número 115 (10/09) do Jornal da Metrópole anúncio político onde desafia Wagner, candidato à reeleição ao governo da Bahia, e Lídice e Pinheiro, candidatos ao senado, a levarem parentes em algum dos hospitais públicos do estado.

O que mais incomoda não é a crítica em si, embora infundada, mas o nível da apelação hipócrita. O sistema público de saúde existe para contemplar àqueles que não podem pagar por atendimento; regra do próprio capitalismo, comum em todas as esferas de serviços prestados. E quem vivenciou a saúde na Bahia durante os anos anteriores e sabe comparar dados, percebe a diferença. Já pensou se eu perguntasse para o Sr. Aleluia se ele anda de ônibus ou se mora na periferia da cidade, e a resposta sendo negativa indicasse, automaticamente, seu caráter? Será que anda? Será que mora?

Esse Aleluia é o mesmo que em 93 esteve na CPI dos Anões, acusado de desviar recursos do orçamento, e que em 2006 marcou presença também no escândalo das ambulâncias, beneficiando-se com R$400 mil de propina. Nessa época, o hobby dele era atacar Lula. Sossegou? Que nada! Agora, ele se diverte adulterando textos: pegou um escrito que faz críticas à Dilma divulgado como da jornalista Danuza Leão, colunista da Folha de S. Paulo, e atribuiu à jornalista Marília Gabriela, que ficou furiosa e vai levar o caso para a justiça.

Já existe uma grande repulsa por parte de muita gente em relação ao processo eleitoral. Se os candidatos resolvem optar por uma política suja, que não procura verdadeiramente informar as pessoas, mas desinformá-las, distorcendo informações e dados, não se contribui para a construção de um processo limpo e honesto, e que possibilite ao povo escolher seus candidatos de forma segura.


Josevaldo Campos

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Jovens do semiárido baiano participam da definição de orçamentos municipais através de ações de projeto

Jovens de 25 municípios da região semiárida da Bahia se reuniram neste sábado (28) em Valente para seminário de avaliação dos resultados e conquistas do projeto Participação Juvenil no Orçamento Municipal. Os jovens (dois de cada cidade) participaram durante 12 meses de um processo de formação política, que tinha como objetivo capacitar lideranças para atuarem ativamente dos processos orçamentários municipais, com vistas à inserção de políticas públicas para a juventude.

O resultado deste trabalho foi avaliado durante o evento, que contou com a participação de gestores públicos municipais, representantes de sindicatos rurais e da coordenadora do Comitê Estadual do Pacto pela Infância no Semiárido, Iara Farias, além da representação juvenil de cada município envolvido na formação. As principais conquistas da juventude estão relacionadas à área de educação e lazer, como a construção de bibliotecas públicas, apoio de transporte para estudantes do ensino superior, construção de quadras e ginásio de esportes.

Dos 25 municípios envolvidos diretamente no projeto, sete já conseguiram inserir no orçamento municipal reivindicações da juventude. A cidade de Capela do Alto Alegre, que além dos jovens participantes esteve representado pelo prefeito da cidade, Dr. Ney, e pelo vereador Beto, aprovou quatro emendas (R$55 mil), valor que será investido na capacitação de jovens agricultores e produção cultural local, dentre outras áreas. Já em Serrinha, os jovens garantiram a construção da Casa da Juventude Serrinhense (CAJU) e também 13 quadras esportivas na zona rural.

Para Jocivaldo Bispo, jovem egresso do Coletivo de Jovens de Antônio Cardoso e atual secretário de Agricultura do município, “o resultado do projeto é uma ação de grande relevância, porque existe um afastamento muito grande das pessoas na definição do orçamento público”. Já para Sandra Sena, integrante do Coletivo de Jovens de Capela do Alto Alegre, a participação juvenil no orçamento municipal representou muito mais que a garantia de melhorias para as pessoas. “Foi uma conquista muito grande para nós enquanto coletivo, um reconhecimento. Foi uma luta muito grande, mas graças a Deus conseguimos e chegamos até aqui”.

Dailson Andrade, jovem e coordenador do projeto, lembrou para os participantes a importância de cada um dar continuidade ao trabalho de mobilização e participação política e de multiplicar o aprendizado em cada município em que atua, como forma de potencializar a participação jovem na elaboração dos orçamentos municipais e, assim, garantir a inserção das demandas desse seguimento nas ações das prefeituras.

O prefeito de Capela do Alto Alegre, Dr Ney, ressaltou a importância das prefeituras assumirem o compromisso para tornarem realidade o que foi aprovado em orçamento nas câmaras municipais e comentou a relevância do projeto: “Foi um trabalho responsável e conseguiu mobilizar os gestores. Foi muito positivo”. O evento, que aconteceu no auditório do Sindicato dos Produtores Rurais de Valente, foi dividido em quatro momentos: recepção dos participantes e convidados, apresentação de experiências juvenis de intervenção no orçamento municipal, balanço político-avaliativo e perspectivas do projeto, e conjuntura nacional política e plataformas das juventudes.

O Projeto participação Juvenil no Orçamento Municipal é uma realização do Coletivo Ação Juvenil de Tucano (COAJ), do Coletivo Regional Juventude e Participação Social (CRJPS) e do Movimento de Organização Comunitária (MOC), e tem o apoio da Brazil Foundation. Além das falas dos participantes, o evento contou com apresentações de teatro, hip hop e poesia.

Texto: Josevaldo Campos
Foto: Joelnir Santana

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Sertão Bonito, assentamento produtivo


A ansiedade para chegar ao local é grande. A paisagem que passa lentamente por detrás do vidro do carro é muito bonita. Floresta e caatinga comungam de forma perfeita, criando um equilíbrio entre o bioma. O colorido das casas, todas organizadas em filas, dá as boas vindas a quem chega ao local. Quando descemos do veículo, as crianças olhavam fixas e curiosas com a novidade da visita. Fomos andando e, aos poucos, as crianças iam se aproximando para ver do que e de quem se tratava. Sentamos e começamos a conhecer, aos poucos, nossos novos amigos assentados. Foi assim que eu e mais um pequeno grupo de pessoas tivemos a saudosa oportunidade de conhecer o Assentamento Sertão Bonito.

Sertão Bonito fica localizado no município baiano de Piritiba, cerca de 315 km da capital, e pertence ao território Piemonte do Paraguaçu. São 40 famílias assentadas, que sobrevivem na região através da plantação de feijão, milho, mandioca (6º produtor baiano de mandioca), abóbora, dentre outros. Da lona e do perigo de viver à beira das estradas na luta pela reforma agrária, as famílias hoje vivem de forma confortável nas casas de dois e três quartos, sala, cozinha e banheiro, construídas com recursos do Governo Federal. A produção de alimentos é feita de forma coletiva, e cada família ainda dispõe de um lote de terra individual, para plantar verduras ou outro tipo de alimento não produzido pela associação.

Na propriedade, a área que é de floresta ninguém mexe. As crianças aprendem, desde cedo, a importância da preservação. Longe dos brinquedos industriais, que alimentam comportamentos violentos, elam criam seus próprios brinquedos, sempre relacionados com o contexto rural em que vivem. Perguntamos, curiosos, o que representa cada parte da fazenda montada num canto do terreiro da casa. “Essa parte é do reflorestamento”, diz o filho do presidente da associação, um garoto, embora tímido, muito inteligente e humilde.

O dia passou rápido. Precisávamos pegar a estrada de volta. Como lembrança, além das boas recordações, levamos leite de vaca, abóbora e feijão. Gostaria que todas as pessoas tivessem essa oportunidade que tivemos. Gostaria que aquelas que acreditam que assentados são bandidos pudessem perceber a dimensão da injustiça e da ignorância que praticam todos os dias. Sertão Bonito está aí para mostrar e provar a seriedade da luta pela reforma agrária, a luta dos movimentos sociais que batalham por um pedaço de terra para plantar o alimento que matará a fome. Sertão Bonito, além de belo, é produtivo e emociona todos aqueles que sonham e lutam por uma sociedade mais humana e mais igualitária.

Josevaldo Campos

sábado, 17 de julho de 2010

Geddel tropeça e esbarra nos muros

Na primeira semana oficial de campanha, o candidato ao governo da Bahia pelo PMDB, Geddel Vieira Lima, já mostrou para que veio e como será regida sua campanha. Os muros que foram pintados em Salvador por outros candidatos (deputados, senadores e governadores) foram praticamente todos apagados para dar lugar ao nome do peemedebista. Nas ruas e no meio político, as pessoas comentam não estarem surpresas, alegando que “é uma prática normal de Geddel fazer esse tipo de política”. Geddel, além de sempre estar atrás nas pesquisas, estava atrasado também em relação às pinturas nos muros. Provavelmente bem informado pelo seu coligado João Henrique Carneiro (PMDB), prefeito de Salvador, sobre a intenção de baixar um decreto na cidade proibindo as pinturas, tratou de correr para tentar deixar sua marca. Mas ao que tudo indica o barro não colou, ou melhor, a tinta não grudou, metaforicamente falando. Os comentários nas ruas são os piores possíveis; ninguém em cima do muro.

Josevaldo Campos

sábado, 3 de julho de 2010

Hasta la vista, hermanos!

A vitória histórica e fenomenal da Alemanha sobre a Argentina teve um gostinho brasileiro. Explico: como os argentinos sempre são nossos maiores rivais, a vitória expressiva da Alemanha, de goleada, trouxe-nos um sabor de vitória muito parecido com o que se o Brasil estivesse em campo. Maradona ficou absolutamente sem espaço para ousar dizer “somos melhores que os brasileiros”, pelo contrário, a derrota por goleada de 4 x 0 coloca os hermanos em desvantagem em relação a nós brasileiros, que perdemos por 2 x 1, visivelmente um jogo muito mais difícil.

Pode parecer exagero, mas agora sinto como se o Brasil tivesse sido campeão, porque a derrota da Argentina não significa apenas um resultado negativo para a partida, mas também a vitória da humildade de Dunga contra a arrogância de Maradona. Vejo Dunga exclamando para Maradona:
 - Diego, hay que endurecer-se pero sin perder la ternura jamas!

E cabe uma piada: mesmo que a Argentina tivesse perdido por apenas um gol, o Brasil estaria na frente. Por quê? Simples, porque o Brasil partiu primeiro da África do Sul de volta para casa.

“Hay que endurecer-se pero sin perder la ternura jamas!" Há que endurecer-se, mas sem jamais perder a ternura) Che Guevara

Josevaldo Campos, meio brasileiro, meio alemão!

sexta-feira, 2 de julho de 2010

A Metáfora de Dunga. Parte II

Para começo de conversa, Dunga foi um herói! Isso mesmo! E sem demagogias, um exemplo para cada brasileiro. Estou convicto de que tudo que estava ao alcance para tornar a Seleção Brasileira hexacampeã foi feito, com determinação e humildade, o que é mais importante. O que a mídia usurpadora vem dizendo, não importa! Para esses boatos, Dunga soube dar respostas de forma brilhante.

Felizmente ou infelizmente, alguém teria que ganhar, e o outro, perder. Era elementar. Nosso sonho era grande e nossas esperanças motivadoras. Mas tudo continua! Agora meus votos com a saída de Gana é que algum país da América do Sul saia vitorioso. E isso vale para a Argentina também, claro! Que venha 2014 porque somos brasileiros e não desistimos nunca! Valeu Brasil, valeu Dunga!

Josevaldo Campos

terça-feira, 29 de junho de 2010

Chuvas. O que elas significam?

Curiosa a sequência de fortes chuvas que vem acontecendo em alguns estados brasileiros. Especialistas tentam encontrar nas ciências alguma explicação plausível para os acontecimentos, mas no fundo, eles não têm certeza exatamente do que acontece com a natureza, ou o que a natureza tem feito acontecer. Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia... 2010 começou com muita chuva, cenas surpreendentes proporcionadas pela natureza. Muitos deslizamentos, mortes, desabrigados, famílias completamente ilhadas, sem saber para aonde ir nem o que fazer. Prefeitos e governadores sem saber por onde começar a reconstruir as cidades atingidas. E nós, daqui de frente da televisão, imóveis, sem a certeza se no dia seguinte acordaremos com o sol do verão ou se seremos carregados sem destino pelas correntezas violentas. Agora parece ter chegado a vez de Pernambuco e de Alagoas. Em meio aos mais de 57 mortos, os estados vizinhos tentam sobreviver, buscando se apegar onde ainda possa haver alguma possibilidade de escapar, onde ainda haja algum sinal de esperança.

Não é fácil ver as pessoas chorando desesperadamente, vendo móveis, casa, filhos debaixo d’água. São sonhos, trabalho, vidas indo embora com a lama. E diante de todo esse sofrimento, diante das lágrimas, dos milhares de milímetros de água que cai e leva consigo tudo que encontra pela frente, diante das infinitas dúvidas e da total ausência de certeza a respeito do que pode estar acontecendo, uma pergunta, inevitável, deve soar na mente de muita gente: qual será o próximo estado?

Não apostaria que a ciência é capaz de prever. Mas acredito que no meio de tudo isso a natureza quer, no mínimo, nos dar um recado. Sábios serão aqueles que conseguirem entender. Eu, por enquanto, vou tentando economizar água, não jogando lixo nas ruas, não poluindo as águas... Na dúvida, é melhor não arriscar. Abra o olho!

Josevaldo Campos

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Desiguais, mas nem tão diferentes


Sabe, eu gostaria de ter uma conversa com você, especialmente você que mora nos bairros de classe média e alta, que vive cercado por muros e grades, com toda a sua segurança. Queria saber o que você tem pensando sobre os constantes assaltos nessas regiões privilegiadas.

Uma das coisas que te faz optar morar por aí é (era) a ausência de assaltos, certo? Então agora quando vejo nos meios de comunicação notícias de que essas muralhas têm sido invadidas, que as ruas pavimentadas com mármore não estão mais tão intactas, questiono-me qual deve ser o pensamento de vocês que, não importando como, conseguiram morar por aí. Minha aposta é no discurso de que as pessoas que estão tirando vossa paz vêm das periferias, das favelas, são os negros... Pois bem, tomemos, por parte, esse possível argumento e pensemos no seguinte. Não é nenhuma novidade e se vê até em novela da Globo que jovens abastados mantêm o vício nas drogas com mesadas que recebem dos pais e, quando a situação já está fora de controle e a grana curta, roubam as coisas de casa, vendem pequenos objetos de valor de uso próprio e da família para sustentarem o vício. Pergunta: o que vocês acham que estes jovens fariam se não tivessem alguma forma de conseguir dinheiro dentro de casa?

Do outro lado da história, mais famílias, outras vidas, drogas. Dessa vez, sem mesada, sem objetos de valor e alguns trocados negociados por um trabalho árduo, muitas vezes desumano. Pergunta: como estas pessoas manterão o vício?

É curioso o fato de a polícia invadir o barraco do pobre, mas não ousa tocar na mansão do bacana. Escala fácil as escadarias do morro, mas é incapaz de subir os elevadores de quem mora no asfalto. Chega a ser uma contradição se pensarmos no alto custo que é para manter certos tipos de drogas e onde a polícia costuma fazer as apreensões. Estão enganados pensando que somente nos morros são feitas as grandes negociações. Não acredito nas estatísticas que jogam nas costas dos negros, dos pobres e moradores de bairros populares a culpa pela manutenção do tráfico de drogas no país.

Solução? Se você for capaz de responder as perguntas feitas acima de forma sensata, está com o poder nas mãos. Tente.

Josevaldo Campos

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Morre um delegado, nascem algumas reflexões

É desumana essa mania que algumas pessoas têm de superfaturar em cima de um caso, de uma notícia, espremer pra ver se sai o que não tem. O assassinato do delegado Clayton Leão, de Camaçari (BA), cidade vizinha a Salvador, é a “bola da vez”. A primeira decepção ao ler os principais jornais, sites e blogs que noticiaram sobre o trágico caso é perceber o despreparo de muitas fontes, a maioria delas de entidades / organizações oficiais ligadas à polícia. Muito fácil - e cômodo - dizer que a segurança pública está mal, que o governo não dá a atenção devida aos policiais, que esta tragédia reflete o descaso das autoridades etc e tal. Isso qualquer um pode fazer, sem esforço algum. Quero ver, meus amigos, vocês proporem soluções, mostrar caminhos que sejam capazes de extinguir a violência em quatro, seis ou dez anos.

Fico aterrorizado quando ouço alguém dizer que a situação está tão delicada que até a própria polícia está sendo vítima. E daí? É o mesmo ponto de vista que diz que ladrão é negro e vem das periferias? Quero ver essa discussão também quando um policial que deveria zelar pela segurança e promover a cidadania se envolve em corrupção, maltrata um cidadão porque a cor da sua pele é escura, não lhe garante o direito de fala porque sua origem é pobre, da favela.

Ninguém, absolutamente, se propõe a fazer uma análise mais coerente do ocorrido, pensar que a violência só poderá ser exterminada de forma sistemática, porque demanda um processo dinâmico de investimento em educação, emprego, saúde, lazer... Mas esse tipo de discurso, de entrevista, não dá ibope.  Então as pessoas espetacularizam mais uma tentativa de assalto com vítima como se fosse o primeiro da história, pelo fato de se tratar de uma autoridade policial, e tiram proveito pessoal e político da história.

Não quero com isso dizer que barbaridades são normais, nada disso. Quero apenas ver seres pensantes, que contribuam de alguma forma para o combate à violência, de todos os tipos, que tenham a capacidade de entender a dimensão do problema e que esse tipo de violência não nasceu apenas nos últimos anos. Procurar culpados não funciona.

O que me preocupa - e essa precisa ser a preocupação de todos - é como a criança que hoje nasce de uma mãe-criança será educada; quais serão suas referências de valorização da vida. Preocupa-me como combateremos o racismo, que tanta indignação e revolta causa nos corações de tantos seres humanos. A mudança não é simples. Construir um futuro mais pacífico requer, antes de tudo, amor pelo próximo. Respeito. Atitudes simples podem fazer uma grande diferença. Perca, ou melhor, ganhe vosso precioso tempo conversando com um menino que hoje ainda brinca inocentemente; seja solidário com as pessoas, como puder. Seja prudente nas suas palavras, nas suas ações. Contribua com a construção de um mundo melhor. Se combater a violência dependesse apenas de governo,  países que historicamente são considerados excelência em modelo de gestão estariam isentos destes acontecimentos. Pense nisso enquanto ainda há tempo. Pense nisso enquanto seu filho, seu irmão ou vizinho ainda pode aprender as coisas boas, a importância da vida e da valorização do ser humano.

Josevaldo Campos

domingo, 16 de maio de 2010

A metáfora de Dunga

Eu sempre defendi que os melhores jogadores de futebol em campo são aqueles que ainda vislumbram um universo para conquistar. Os famosos, embora experientes, passaram da fase do “vale tudo”, da fase futebol-com-o-coração. Ronaldinho Gaúcho e Adriano ficaram de fora da lista para o Mundial em junho. Então se você me perguntar: “Mas e o Robinho”? Certo, Robinho também parece já ter alcançado o topo da fama, reconhecimento internacional, mas não dá para comparar a vontade de jogar, de vestir a camisa da Seleção, de Robinho com o Gaúcho, por exemplo. Neymar? Dunga foi prudente. Montar uma equipe para disputar um campeonato internacional não é tarefa que se faz em poucos meses e nem se decide de um dia para o outro. É um trabalho longo, de testes e mais testes. Como têm dito os vários técnicos Brasil afora, “em 2014 ele joga, será a vez dele”.

A decisão de Dunga é muito coerente. É uma lição não só no futebol, mas para a vida. Sem estrelismo e amadorismo, sem falsas-modéstias. O que está em jogo é um trabalho de equipe, resultado de um esforço construído dia após dia, metodologicamente. “Eu tenho que ganhar hoje. A cobrança em cima de mim é hoje, não para 2014”, resumiu dunga durante a coletiva que anunciou o nome dos 23 integrantes que defenderão a Seleção Brasileira de Futebol.

Sorte Dunga, sorte Brasil!

Josevaldo Campos

sábado, 8 de maio de 2010

PERFIL - Perinho Santana, o poeta que constrói livros nos muros de Plataforma

Marcamos de nos encontrar às 14h30, no mais tardar às 15. Apareci nas proximidades onde ele mora e caminhei sem uma direção muito certa, tentando identificar alguma pista que indicasse onde ele morava. Nunca o tinha visto antes. Aproximava-se das três horas da tarde e o sol estava muito forte. Tinha medo que eu me atrasasse para nosso encontro, tão bem re-confirmado por ele no dia anterior. Ele havia me telefonado, do seu próprio celular.

Continuei andando, na esperança de encontrar algumas de suas marcas pelos muros. Ele não é tão conhecido onde mora. "Você vai direto e pergunta ali naquele bar que eles sabem te informar melhor". Segui as pistas, sentindo que estava cada vez mais próximo. Notei que meu coração estava acelerado um pouco além do normal para um fim de tarde de sábado ensolarado. Identifiquei um centro social que ele havia dado como ponto de referência. Estava chegando a hora. "Antes de passar o segundo quebra-molas, à direita, tem um beco. Ele mora ali".

Assim fui informado no bar, cujas paredes estavam decoradas com muitas poesias. Chegaria atrasado para o nosso encontro, com certeza. Pelo menos podia me desculpar, dizendo que perdi um longo tempo tentando encontrá-lo. Não tive coragem de ligar e dizer que eu estava perdido. Entrei no beco e logo perguntei a uma garota se ela o conhecia. Caminhei, tenso, na direção indicada. Sentado numa janela mal acabada, barba mal conservada, estava um senhor, aparentando 50 anos. Hesitei em lhe falar e segui, lentamente, sem rumo. Voltei. Não era ele. "Ele mora ali, naquela última casa".

Foi assim que conheci Péricles Bonfim de Santana, conhecido como Perinho Santana, o poeta que escreve seus pensamentos nos muros sujos e que ganham vida pelas ruas de Plataforma, bairro popular da grande cidade de São Salvador.

Quarenta e seis anos, olhar cabisbaixo e cansado. Perinho escreve poesias nos muros do bairro onde mora desde 1999. Ele tinha uma lanchonete e precisava mudar os preços expostos na parede todos os meses. Resolveu ir além dos números e começou a escrever seus pensamentos e sentimentos. "Eu pegava e fazia umas poesias e mandava as pessoas fazerem os desenhos; na época, eu não sabia nem pintar".

Suas poesias falam de coisas que existiam no passado, de seus amigos, das pessoas que moravam no bairro, da localização e da importância de Plataforma para a Independência da Bahia, de ecologia... "Eu procuro contar uma história verdadeira que eu próprio posso explicar a uma pessoa que venha a mim", esclarece.
Perinho é um homem simples, muito simples. Vive numa pequena casa de três cômodos, no final de um beco, localizado numa rua que ele parece ter escolhido a dedo: Rua Rosa dos Reis. Tem uma sala que serve de cozinha e um quarto que também serve de sala. Nas paredes, uma mistura de cores e palavras dá vida ao ambiente, todo decorado com poesias e pinturas dele.

Ele sabe, como ninguém, viajar nas ideias. Roda o mundo em minutos e sempre aterrissa na religião. Nasceu no dia 24 de dezembro, cinco minutos antes de Cristo. Mas é ateu e tem pavor ao cristianismo. "Hoje, se eu fosse buscar uma religião, era para procurar o calor humano, as pessoas que não bebem, não fumam... O bar é a igreja dos católicos".
Perinho tem profunda mágoa e decepção dos tempos em que frequentava a igreja católica. As milhões de dúvidas que rondam sua cabeça, segundo ele, deveriam ser explicadas pelos ortodoxos. "Desde menino que as pessoas falavam assim: 'as palavras de Deus', e eu dizia: Ah, se eu não conheço as letras de Deus, como vou conhecer as palavras de Deus?"
Essa dúvida fundamentaliza uma de suas principais teses. Perinho acredita que a letra "D" foi santificada e que as demais foram amaldiçoadas. É como se a humanidade trabalhasse apenas com essa letra: Deus, dinheiro, dívida, débito, dor, desastre. Ele também acha que o nome de Deus deveria ser ALA, sem a letra "H". Por quê? Segundo ele, dentro da letra "L" há uma letra "A". "Veja as palavras que estão debaixo da letra A: alegria, amor, anjo, altura..." E continua: "A=1; L=11, logo, precisou-se de apenas um número para formar o nome de Deus", conclui.

Perinho Santana não tem mais que 1,65m, ostentado num corpo aparentemente magro e frágil. Tem uma voz calma e, apesar de acreditar que quem pensa em Deus pensa em eternidade, coisa que ele não quer, acredita no Homem. "Deus é uma pessoa única, que só cria coisas únicas, que não tem filhos e que não aparece para nós". Perinho tem um filho de vinte anos. Já fez um livro nas paredes de Plataforma: 314 páginas. Sente não ter registrado em papel todas as poesias escritas, pois muitas delas já foram apagadas ou pinchadas dos muros.

Infância, presente e futuro - Pergunto-lhe se o Perinho criança era um aluno exemplar, bom em português, e ele, sem pestanejar. "Eu, como estudante, era bastante inteligente. Eu já lhe digo isso porque não é pela inteligência em si, é pelo esforço que eu fazia para estudar. Eu era bem mais destacado em química e matemática. Eu me formei em química, na verdade. O português eu não era muito chegado, não. Eu tinha um professor, Afonso, e era aquele cara que trabalhava mais na base do exercício, depois corrigia. Eu tive uma professora na sexta série, de português, que eu gostei muito, ela me desenvolveu muito com advérbios, com verbos, e aí minha linguagem ficou extensiva", lembra.

Perinho, além de não se identificar muito com o português, nunca leu clássicos da literatura brasileira ou estrangeira. Apenas agora tem lido alguns de filosofia, área em que pretende se aprofundar. "O último livro que eu li foi O Mundo de Sofia", acrescenta, mas sem o orgulho de ter lido um dos maiores clássicos da literatura.
A razão para ele nunca ter lido, além de não ser chegado em leitura, era porque não queria que nada o influenciasse, pois tudo tinha que vir de sua cabeça. Essa também é a razão pela qual ele nunca escreve sobre o que as pessoas pedem ou falam. E não é que tem rendido? Assobiando Pelos Caminhos de Plataforma. Esse é o nome do livro de poesias que está montando, por enquanto, em seu caderno de anotações para depois, quem sabe, ser publicado.

Perinho Santana, ao contrário de muitos poetas e artistas que buscam um local específico para a inspiração, não tem frescuras. "Às vezes eu estou na rua e vem aquela frase e eu fico doido pra saber qual é o texto; então, quando eu chego em casa, vou escrever". Além de poeta, Perinho é pintor. E não gosta de tinta. Quando acaba um desenho, vai para casa correndo, sem olhar para trás, para lavar as mãos e tomar um banho; depois volta ao local do desenho e fica olhando, como se fosse alguma pessoa que estivesse simplesmente passando e resolveu admirar.

O poeta dos muros é um homem de muitas teses. Só concluiu o segundo grau, mas é um rapazinho de idade muito prendado. "Olhe, não se perca, não, porque eu sei é de coisa", aconselha-me com um sorriso longo, triste e cansado, logo após concluir uma de suas palestras, na qual defendia que o homem aprendeu a falar a partir dos animais, "miau", "au, au" e depois foi se lapidando.

As pinturas que Perinho faz para ilustrar suas poesias sempre envolvem a natureza. Algumas constituem verdadeiras obras abstratas. Alguns de seus trabalhos falam de Deus, apesar de tudo. E não terminam suas teses, suas teorias sobre a vida do criador. "Você ouve todo mundo falar: antes de Cristo e depois de Cristo. Cadê o meio de Cristo? Como é que pula do A pro D? Cadê o MC?"

Perinho mora sozinho há muitos anos e é divorciado. Teve uma depressão neurótica quando trabalhava com computadores. Pretende, em breve, mudar-se para o bairro do Bonfim, para morar com a mãe. Apesar de todo o talento, não pretende ganhar dinheiro com o seu trabalho. Não gosta de escrever por obrigação, diz.
Certa vez, conta, ficou de fazer um trabalho para a Caixa Econômica, mas que não ficaria com o dinheiro. "Eu investia tudo em tinta", disse.

Perinho é um ser humano, humilde. Muito receptivo e educado com quem se achega ao seu simples lar. Mostrou-me uma frase no banheiro que, ironicamente, agradece a visita ao local. Fui apresentado a toda a sua residência, num processo que não demorou muito. As poucas paredes que existem são repletas de poesias e pinturas. É como estar dentro de um livro multicolorido.

Perinho Santana, o poeta da natureza, da vida, da saudade de seus amigos, dos heróis que Plataforma já teve, escreve para os mais jovens, como faz questão de sempre dizer. O poeta dos muros ia até ganhar uma praça com seu nome, mas acabou ficando no nome de um senhor que havia falecido, a pedido do próprio Perinho. Pergunto-lhe sobre o reconhecimento de seu trabalho e ele cita uma placa de mérito cultural que ganhou. Ele não liga muito para essas coisas, pensei, e logo confirmei. "Eu escrevo para contar para os mais jovens tudo que eu vi", reforça.
"É tão bom você pegar uma parede toda suja, trabalhar e trabalhar... depois as pessoas passam e vêem uma frase...", orgulha-se.

Confesso que não pude fugir do clichê. - "Quem é Perinho Santana?"
"É uma pessoa humilde, que mora em Plataforma, o mesmo de sempre, que é parabenizado por uns pelo trabalho que faz e por outros é tratado como doido". Encerrei a gravação. O coração antes acelerado pela ansiedade do encontro agora cedia lugar a uma admiração gostosa. Suas palavras contavam muito mais do que a história de um homem-artista.

Senti que ele era muito frágil quando apertei sua mão. Eu tinha de ir. Ele, gentilmente, acompanhou-me até a saída. O céu estava escuro. "Vai chover", arrisquei, sem querer ir embora. Mas ele estava preocupado comigo. Apertamos novamente as mãos e ele me agradeceu, antes mesmo que eu o fizesse. Segui. Foi assim que conheci Péricles Bonfim de Santana, um poeta que escolheu os muros das ruas como páginas de seus livros.

"Na minha terra tem palmeira
Onde o trem passa por lá
De frente para a Ribeira
Havendo divisa com o mar".
Perinho Santana

Perfil produzido em 2008 para um trabalho da faculdade

sexta-feira, 30 de abril de 2010

A fé que remove montanhas é a mesma que arrecada moedas?

Ainda meio sonolento, acordei com o barulho da sua voz. Ele falava da época em que entrava nos ônibus para assaltar, para matar, pegar as coisas das pessoas. Suas palavras oscilavam entre coisas boas e ruins. Foi assim a maior parte de minha viagem, num desses dias quase monótonos de ida para o trabalho. Quando acordei (detesto que interrompam meu sono, mesmo que no ônibus), ele já pregava o evangelho segundo... Segundo ele mesmo, na maioria das vezes!

Na medida em que ele ia explicando sua história passada, marcada por delitos, evocava o nome de Deus e intimava as pessoas a concordarem com as palavras bíblicas, narradas com um português ainda depreciado pela vida mundana. As pessoas, meio perplexas, não sabiam muito o que fazer. “Levanta as mãos aqueles que acham que Deus merece”, dizia ele, entoando a voz. “Levanta as mãos pessoal”, insistia, já praticamente gritando, ao perceber a falta de atenção das pessoas. “Tem homem aqui que levanta as mãos até pra bater na mulher em casa, mas não levanta para bater palma para Deus”, apelava.

Ele não desistia. “Quando eu entrava nos ônibus pra assaltar e mandava alguém levantar o braço, aí num instante todo mundo levantava. Hoje eu peço pra levantar o braço pra Deus e ninguém levanta!” Ele se aproximava de algumas pessoas e se dirigia diretamente a elas: “Levanta a mão. Bate palma. Bate palma quem acha que Deus merece!” Uma jovem que estava ao meu lado já levantava suas mãos e batia palma. Na frente, outra. Muitas pessoas (mulheres) já batiam palmas e respondiam, quando indagadas, “Amém!”, num coral triste.

Quando eu olhava ao redor, no rosto das pessoas, sentia que elas carregavam uma aflição típica do medo. Notei que elas não sabiam exatamente por que batiam palmas e levantavam suas mãos. “Eu vou encerrar...” Tranquilizei-me, mas só por uns segundos. Ele voltava a falar e contar detalhes da sua vida, dos crimes cometidos, de sua vivência na penitenciária atualmente, que retornaria para lá no final da tarde e que os outros presos sempre lhe pede para levar alguma coisa, uma pasta de dente (creme dental), um biscoito... “Eu vou encerrar, mas antes...” E voltava a contar como assaltava os celulares das pessoas, ironizava com alguém que aparentemente estava dormindo e não prestava atenção ao seu culto. “Quando eu entrava e alguém tava dormindo, eu ia assaltando e quando a tia acordava e dizia ‘o que é isso? ’, eu respondia: isso é um assalto tia e eu tava esperando a senhora acordar pra pegar seu celular”. Algumas pessoas se entreolhavam; outras riam cautelosamente.

Eu anotava, pacientemente, cada palavra, em inglês, para evitar que a fiel ao meu lado pudesse me entregar. Não era bem medo, mas eu estava meio assustado, surpreso com a situação. Cheguei a vacilar sobre meu direito de escolha, ao me constranger por não estar levantando os braços, muito menos aplaudindo fosse lá o que for.

Ele, para não perder a prática, começou a pedir dinheiro, mas dessa vez sem arma. Melhor dizendo, pedia ajuda para levar para os demais detentos, usando como “arma” apenas as palavras. Uma ou duas pessoas deram algumas moedas. “É verdade. Antes eu entrava, apontava uma arma e todo mundo logo me dava o dinheiro”. Naquele momento, pensei ser prudente eu pegar minha carteira e entregar algum dinheiro. Hesitei. “A Bíblia diz não à violência e sim ao amor”. Aumentaram as doações. “O Senhor é meu pastor e nada me faltará, amém?”, perguntou. “Amém, gente?", gritou. “Amém”, respondeu, prontamente, o coral.

Ainda não era tudo. Meu sono já havia ido embora, totalmente, o que é difícil de acontecer. Eu já havia guardado meu bloco de anotações, certo de que as arrecadações em nome de Deus para ajudar os irmãos da cadeia eram o suficiente e o último capítulo da história. “Para finalizar...”, repetia, sem mudar uma só palavra. “Você vai tocar no ombro do irmão que está do seu lado...” Eu, na hora, exclamei uma só palavra, para mim mesmo, mas que, infelizmente, terei que aqui censurá-la. Não acreditei na cena. “Espero que essa menina não toque em mim”, pensei. Em vão! Quando ele terminou de proferir a mensagem a ser passada através do toque, ela já estava ultrapassando o espaço que me é de direito do meu assento, colocando sua mão sobre meu ombro. Não consigo pensar numa só palavra para descrever a cena, tamanha a unicidade do ato, para não dizer outra coisa. Mantive os olhos nas minhas anotações e consenti despretensiosamente com alguma coisa que ela me disse, para não ser de todo grosseiro. Talvez ela não tivesse escolha naquele momento. Ele, finalmente, desceu e desapareceu. Fiquei com a impressão de ter acabado de passar por um assalto, à mão armada.

Eu acredito em Deus, mas o caminho, definitivamente, não é esse!

terça-feira, 27 de abril de 2010

MST, Vale-Gás, Bolsa Família e a Falta de Conhecimento

Acabei de achegar no trabalho, atrasado, mas precisava escrever, desabafar.
Há mais ou menos oito dias cerca de 5 mil militantes do MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – estão marchando de Feira de Santana para Salvador, 112 km. O objetivo é lembrar o massacre de 19 trabalhadores em Eldorado de Carajás (PA), ocorrido em 1996, e também para entregar ao INCRA e a Secretaria de Agricultura da Bahia suas reivindicações.

Pois bem, desde ontem, 26/04, pego alguns engarrafamentos na capital baiana com a chegada dos militantes. Nenhuma novidade, apenas algumas queixas banais dos passageiros, a cidade já anda um caos, parada. Hoje, no entanto, no ônibus, sentei-me à frente de uma jovem mulher, que me obrigou a sentar imediatamente diante desse computador e compartilhar com vocês, leitores, esse desabafo.

Ela, ao passar pela marcha do MST, começou a resmungar, chamando os militantes de “vagabundos”, “sem quifazer” e o mais que ela lembrou no momento. Fiquei decepcionado, porque eu esperava que ela fosse, no mínimo, capaz de fazer uma análise mais coerente, que justificasse, se não toda a sua opinião, os verbetes negativos. Nada! As coisas pioraram. Ela, do nada, começou a falar de Vale-Gás, Bolsa Família, Lula, Dilma, dizendo que estes programas só serviram para acomodar o povo... etc e tal! Ouvir aquilo foi o mesmo que estar assistindo ao Jornal Nacional e tantos outros programas que visam distorcer qualquer tentativa de ação positiva do governo para as classes mais carentes. Eu sabia que naquele momento eu tinha o dever de, nos minutos que me restavam para chegar ao meu ponto, tentar esclarecê-la, mostrar-lhe que o seu julgamento estava equivocado. Fui fraco. Calei-me diante do seu convicto desconhecimento. Preferi acreditar que ela nunca passou fome, nunca precisou de um metro quadrado de terra para plantar a única esperança de comer e não fazia ideia do que era pedir o botijão de gás do vizinho emprestado para terminar de cozinhar o feijão.

Desci triste do ônibus. Triste por ter ficado calado, triste por não entender por que as pessoas não procuram se informar, sair da posição de comentarista superficial, entender que há problemas sociais e que todos nós temos nossa parcela de culpa. Aquela mulher, visivelmente, não sabia o que significa a Reforma Agrária e não sabe quantas pessoas ainda passam fome no país. Ela certamente nunca visitou um assentamento na sua vida, desconhece os diversos projetos de agricultura familiar e ignora o trabalho do Movimento e a produção de alimentos que este é responsável. E o que é pior; ou melhor, deve estar se alimentando diariamente com produtos provenientes dos assentamentos.

Gostaria tanto que ela doasse só uma daquelas dóceis palavras direcionadas ao MST para os empresários da cidade onde ela mora, para os donos das empresas de ônibus, para a prefeitura, pois são estes que todos os dias a faz esperar, horas, calada, por um transporte ineficiente, caótico. Todos os dias, repito. E a marcha do MST é uma vez por ano!

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Antes um bar, hoje uma igreja

Chega a ser curioso, digno de estudo, a quantidade de igrejas que tem surgido nos bairros de Salvador e também em outros municípios fora da capital.
Também chama a atenção a variedade de nomes, de doutrinas, crenças, sabe lá o quê! Alguns nomes não me arrisco a falar, nem tampouco escrever. O todo poderoso Google não deve nem reconhecer.
O fato mais curioso é onde estas igrejas estão sendo instaladas, em sua maioria: bares.
Aqui no bairro perde-se a conta. Só na rua onde moro são três... Minto, quatro! Deus está presente, isso me conforta! A humanidade deve estar mais pacífica, mais solidária.
Onde menos se espera, eis que ela surge, ainda que num simples espaço de dois metros quadrados e paredes de taipa, dois ou três fiéis. Em contrapartida, há os castelos, templos, para aqueles que não abrem mão do conforto na hora de tentar falar com Ele.

O fato é que quem procura e quer aceitar Jesus, lugar não falta! Agora vá com fé, porque “negociar” o perdão pode não ser tão fácil quanto pedir uma cerveja no balcão.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Imperdível: Mino Carta faz palestra em Salvador


Como coordenador do Grupo de Estudos de Comunicação e Política da Universidade Federal da Bahia, o professor, escritor e jornalista Emiliano José convida para a palestra do diretor de redação da revista Carta Capital, jornalista Mino Carta, na próxima sexta-feira (dia 16), às 19h, na Faculdade de Direito da UFBA, na Graça. A entrada é franca.

A palestra faz parte da série de seminários "A Política e a Vida na Esquina do Mundo". Além de Mino Carta, estão convidados os cientistas políticos Giuseppe Cocco UFRJ), já agendado para 26/05, Juarez Guimarães (UFMG) e a filósofa Marilena Chaui USP), ambos com datas em negociação.

domingo, 4 de abril de 2010

Por que David Andrade é um exemplo para todos os brasileiros?

Ele poderia usar como desculpa para desistir da luta uma série de fatores: seca, dificuldade no acesso à educação, problemas financeiros, falta de oportunidade de trabalho e até mesmo de apoio, dentre tantas outros. Mas optou por enfrentar todos estes obstáculos e fazer da região onde mora um lugar mais habitável, mais digno para a população.

Davi Andrade Santos, mais conhecido como David Andrade, é um jovem de 26 anos, morador do povoado do Cajueiro, cidade de Tucano, distante 256 km de Salvador. Agricultor familiar, desde a infância trabalhou na roça com os pais, Maria Andrade e João Ferreira, para ajudar no sustento da família. Preocupado com as condições de sobrevivência dos moradores do semiárido baiano, região que é caracterizada por longas secas e períodos de chuva escassos, iniciou sua militância nos movimentos sociais no Coletivo Municipal de Jovens de Tucano, organizando a juventude local para buscar melhores condições de vida. O trabalho envolvia, além de outras ações, mobilização política, conhecimento da realidade local do município, desenvolvimento rural sustentável, agronegócio e cooperativismo, participação da sociedade na criação de políticas públicas e educomunicação.

Alguns anos depois, assumiu a presidência da Associação Comunitária Clube 4-S Cajueiro, reconhecida como a associação mais antiga do município, realizando uma das melhores gestões da entidade. Depois da associação, David assumiu a presidência do Conselho de Desenvolvimento Municipal de Tucano (antigo FUMAC) e no cargo realizou grandes ações, dentre as quais se destaca a elaboração e aprovação de projetos que proporcionaram mais desenvolvimento e melhor condição de vida para as comunidades rurais.

David é uma dessas pessoas que bastam apenas alguns segundos ao seu lado para a vontade de mudar o mundo surgir com toda força. Livre de utopias, ele bota a mão na massa, literalmente. Conhece cada povoado, cada comunidade do município onde reside e para os quais presta vários tipos de assistência (gratuita), principalmente para os agricultores familiares, além de atuar na mobilização de outros municípios, ministrando atividades e capacitando tecnologicamente aqueles que utilizam a terra para o plantio de sobrevivência.

Desde que o poder de dissociação do capitalismo adentrou todas as esferas sociais, as comunidades mais longícuas e inacessíveis, plantando o individualismo e a ganância, voltar-se para o social e trabalhar por um bem comum tem se tornado uma prática cada vez mais em extinção. David, movido por um ideal humanitário, esquivando-se das garras afiadas do capitalismo nocivo, é um exemplo para todos os brasileiros que acreditam e lutam por um país melhor, que não permitem que as coisas materiais se sobressaiam diante da vontade de ver uma nação unida, com um sorriso de liberdade estampado no rosto.

Ciente da importância política na articulação do semiárido, em 2008 candidatou-se a vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT), não alcançando número suficiente de votos. Para quem pensou que ele desistiria, com uma possível decepção, enganou-se. Ele sabe que o amadurecimento político por parte dos eleitores vem com o tempo, principalmente na Bahia, onde durante muito tempo a política foi de exclusão e centralizava as ações apenas na capital; o interior era o mercado de compra e venda de votos. Hoje, ainda mais experiente, David tem viajado Bahia afora, fortalecendo parcerias, ampliando os conhecimentos e a rede de contatos com outros atores sociais, além de compartilhar experiências com outros modelos vitoriosos de desenvolvimento regional sustentável e contextualizado em outros estados.

Em 2009 iniciou o curso superior de Serviço Social, área em que já acumula vasta experiência, conquistada na luta diária com os movimentos sociais e na qual pretende continuar buscando novas possibilidades de desenvolvimento para o homem do campo, para a juventude tucanense e para os demais municípios do semiárido baiano.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Assalto?

Tem algumas coisas que você nunca imagina que vão acontecer com você. Quando menos se espera, você pode está diante de uma delas.

Foi assim que aconteceu na madrugada do dia 29 de março, por volta das 2h30. Eu voltava da cidade de Tucano (BA) para Salvador, quando o ônibus foi abordado por cinco elementos, já dentro da cidade de Feira de Santana. Todos os 14 passageiros dormiam, inclusive eu, que acordei, imagino, com o balanço do ônibus provocado pela estrada de chão irregular. Estávamos fora da BR 116, de onde a quadrilha obrigou o motorista a sair, depois de tomar o veículo quando este reduziu a marcha para passar sobre a lombada.

A primeira imagem que vi e as cenas que se seguiram permanecerão por muito tempo na memória, até porque, infelizmente, a possibilidade de acontecer novamente existe. Eram quatro homens e uma mulher, todos fortemente armados. Quando acordei e olhei na direção das primeiras poltronas, vi que o primeiro homem avançava na direção do fundo, portando uma arma que parecia uma espingarda calibre 12. Ele andava cautelosamente, passo a passo, com a arma sempre apontada para as poltronas. Atrás dele entravam mais dois, armados com grandes revólveres e gritando: “O dinheiro, passa o dinheiro”, sempre com um vocabulário estressado e intercalado com palavrões.

As pessoas iam acordando, entregando tudo que possuíam, ainda meio inertes, tentando entender o que, de fato, estava acontecendo. Entregamos celulares, relógios, sacolas... Tudo! Do lado de fora, escuridão. Poucas pessoas devem ter ousado olhar para fora. “Bora, passa tudo”, gritavam, sempre em movimento, eufóricos. Não deixavam nada.
Apesar do medo, eu conseguia pensar em muita coisa. É possível pensar em um monte de coisas quando se tem uma arma daquele tamanho na direção do seu peito. Para mim, por exemplo, foi inevitável pensar na educação do país, na falta de oportunidades, no individualismo, na desigualdade e exclusão social. Eles não tinham nada a perder. Fora daquele ônibus, onde eles tinham o poder, certamente não existia um trabalho decente, uma escola que lhes ensinassem alguma coisa que fizesse sentido para suas vidas, uma família que os acolhessem com amor e lhes mostrassem a diferença entre praticar o bem e o mal.

Em 2006, o IBGE apontou que cerca de 14 milhões de pessoas passam fome no Brasil, sem contar as cifras dos desempregados. Enquanto isso, tantos outros desfilam nas ruas com automóveis que não podem pertencer nem ao imaginário do trabalhador assalariado brasileiro. À primeira vista eu não consigo condenar quem me levou dinheiro, celular, roupas e outras coisas baratas. Claro que incomoda. Fazer alguma coisa forçada é sempre desconfortável. Mas até que eu encontre outra razão plausível que explique tais ações, só posso concluir que há uma ligação direta, causa e consequência, com outros problemas brasileiros. O país ainda não conseguiu sair da contra-mão. Ainda vivemos imersos na cultura da separação, da segregação do negro e do branco, do rico e do pobre. Somos um povo que aplaude a polícia quando ela enjaula um ladrão de ovos, de galinha, e ainda estamos perdendo nosso senso de lógica, a partir do momento em que estamos aceitando com normalidade falcatruas que envolvem políticos roubando milhões de reais do orçamento público. Repito: são milhões as pessoas que passam fome no país.

De tudo, restou-me a certeza de que é preciso aproveitar ao máximo cada minuto dessa vida, 10 reais esquecidos em um dos bolsos da calça, um cobertor e a lembrança de uma criança que esteve na cena dizendo: “Eu fiquei assustado”. O resto foi tudo para o BO.

Bahia promove III Conferência Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação


Durante os dias 15, 16 e 17 de março, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), promoveram uma ampla discussão no âmbito da ciência, da tecnologia e da inovação, com a participação da sociedade civil, empresariado, poder público e movimentos sociais. Durante o encontro, os participantes abordaram temas como educação, meio ambiente, desenvolvimento urbano e rural e o uso de tecnologias sociais.

Com o tema Desenvolvimento Sustentável da Bahia, os participantes puderam discutir o cenário nacional e estadual de políticas públicas voltadas à Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). No segundo dia de atividade, o debate esteve voltado à inserção da Bahia e do Brasil na nova geopolítica. Dentro do cenário baiano, o secretário do Planejamento do estado, Walter Pinheiro, destacou a importância das pesquisas em tecnologia para a implantação de projetos de governo e também sobre o acesso da população à banda larga, tema que atualmente está em evidência, resultado, inclusive, de propostas encaminhadas nos debates de comunicação em todo o Brasil. Na oportunidade, o secretário informou que as capitais do país têm até o dia 31 de dezembro para disponibilizarem banda larga gratuita para a população.

O uso das Tecnologias Sociais (TS) para o desenvolvimento social das comunidades alimentou o debate na parte da tarde. Uma preocupação geral da plenária dizia respeito à manutenção dos Centros Digitais de Cidadania (CDC) implantados na Bahia. Os espaços são inseridos nas comunidades, garantindo às pessoas que residem no local acesso gratuito à internet, mas depois não têm como serem mantidos, pois não dispõem de nenhuma verba privada ou governamental. Durante a concretização das atividades, foi encaminhada como proposta a criação e adoção de uma cota por parte do governo para ajudar no custeamento dos centros.

A educação na Bahia ganhou destaque na conferência, que contou com a participação do secretário estadual, Osvaldo Barreto. A professora Dora Leal (UFBA) trouxe um panorama da Bahia em comparação a outros estados do país, evidenciando, através de dados, a importância do fomento a novas pesquisas e também para a criação de novos cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado, como medidas para alavancar a posição baiana dentro do ranking nacional. Dora Leal também destacou a importância da criação de novos programas de pesquisa, como possibilidade de implementar ainda mais a produção científica brasileira, o que contribuiria significativamente para o desenvolvimento de novas tecnologias, evolução da ciência e aperfeiçoamento das ferramentas atualmente disponíveis a serviço da sociedade.

Os participantes aproveitaram a presença de especialistas e pesquisadores em diversas áreas da tecnologia, desenvolvimento urbano e ambiental, além da educação, e promoveram um espaço de debate acerca de questões polêmicas como desenvolvimento versus meio ambiente, tecnologia, democratização da comunicação e desenvolvimento social, dentre outras.

Como encaminhamento final da III Conferência Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, foram aprovadas as diversas propostas elaboradas pelos cinco grupos temáticos, as quais serão levadas à etapa regional e nacional da conferência. Dentre as proposições que mereceram destaque se encontra a inserção de conteúdo sobre as Tecnologias Sociais nas escolas como forma de garantir acesso educativo e de qualidade e a disponibilização gratuita de conhecimento produzido via financiamento público (projetos e editais, dentre outros).