segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O retorno da chuva e da esperança


A imagem da vegetação verde ressurgindo na paisagem triste, morta, cinza do sertão baiano traz de volta lembranças gostosas dos tempos das boas enchentes e da fartura das lavouras. Chuva, uma palavra carregada de esperança e, na sua própria essência escrita, reproduz o som que, nos últimos meses, era a canção que mais os baianos queriam ouvir: chuuuu....vaaaa!

Pois ela veio, finalmente, e com muita força. Há uma semana, as chuvas que caem nos quatro cantos do estado trazem alegria e esperança para agricultores e, em poucos dias, já começa a mudar a cara da paisagem semiárida. Diante de tanta felicidade, alguns moradores de municípios da Bahia ignoraram o fato de a chuva trazer alguns prejuízos, funcionando como uma verdadeira anestesia para tanto sofrimento. Nada, definitivamente (e compreensível) é mais importante do que a presença da chuva.

De Norte a Sul do estado, agricultores não perdem a esperança e, muito menos, tempo. Começam a espalhar pelas terras sementes que germinarão muito mais do que alimentos para combater a fome.

A previsão para os próximos dias é de mais chuvas. Isso qualquer sertanejo sabe identificar ao olhar para o céu. Aliás, nos últimos meses, diante da maior seca das últimas décadas, olhar para cima e rogar pela ajuda divina era muito mais agradável do que contemplar a terra seca e completamente morta.

A famosa frase de que o sertão tem de tudo que se precisa e o que faltar se inventa por pouco não chega a um novo patamar de interpretação, quando se decidiu, através do uso de aviões, “fabricar a chuva”. Não deu muito certo, por uma série de questões, inclusive de ordem natural.

E muito natural foi a forma como Ele, lá de cima, decidiu, “de uma hora para outra”, molhar as terras secas e adubar as esperanças do povo. Funcionou como, de fato, uma obra do divino. Nunca antes a chuva teve um sabor tão especial.

Josevaldo Campos

quarta-feira, 23 de maio de 2012

O caso Mirella Cunha e o jornalismo indigesto

É claro que assinei o abaixo-assinado e a carta aberta de jornalistas sobre abusos de programas policialescos e sensacionalistas na Bahia. Foi o primeiro manifesto da consciência depois de assistir ao vídeo onde a deprimente e faz de conta de repórter Mirella Cunha, da TV Band Bahia, tenta, de forma desesperada e infeliz, alçar seu “profissionalismo” através de total desrespeito ao Código de Ética dos Jornalistas, aos direitos humanos e à Constituição Federal.

Embora acusado de roubo e estupro, não são os possíveis crimes cometidos pelo jovem, negro, identificado como Paulo Sérgio que gera indignação naqueles quem têm coragem e estômago de assistir ao vídeo na íntegra. As investidas da jovem Mirella Cunha, loira, identificada como repórter do programa Brasil Urgente (Bahia), em cima do desconhecimento do garoto sobre temas nem tão abordados assim pela mídia, causa repulsa. E lágrimas.

Confesso que por ser jornalista, negro e jovem essa aversão à postura da jovem Mirella Cunha esteja factível às influências. Mas, ao mesmo tempo, as inúmeras manifestações de repúdio Brasil afora indicam justamente o contrário. E Mirella não está sozinha. Ela representa, de uma das formas mais aberrante e desprezível possível, uma grande parcela de pessoas que se julgam jornalistas, repórteres e também de emissoras que apostam (e jogam sujo) na prática de um jornalismo descompromissado com o desenvolvimento social. Para estes, o que vale é o crescimento da audiência, não importando os caminhos para se chegar lá.

A boa conduta social e o respeito ao próximo manda que cada cidadão cumpra com seus deveres e respeite os direitos alheios. O descumprimento pode (e deve) incorrer em punições jurídicas. Contudo, o mesmo não acontece com programas que abusam da boa sensibilidade e extrapolam todas as fronteiras possíveis do respeito ao cidadão. Em nome dessa tal audiência, infligem leis e ignoram as obrigações e continuam desfrutando das concessões públicas. E o resultado mais imediato é a criação de distorções e de heróis da miséria alheia, tal qual nossa personagem da semana.

Clique aqui e confira o vídeo através do Youtube.

Josevaldo Campos

terça-feira, 15 de maio de 2012

O poder de uma capa de jornal

Apesar de saber a resposta, eu ainda insisto em, diariamente, após ler os principais jornais da Bahia, fazer uma pergunta inevitável: por que os fatos negativos ganham tanto destaque nesses veículos e sempre são premiados com a capa. A afirmativa de que as notícias ruins em relação às positivas têm mais aceitação, chamam mais a atenção do público leitor me parece muito superficial. Seria mais ou menos o mesmo que afirmar que os leitores são, por assim dizer, uma espécie avançada de masoquista-observador.

 Conheço, por exemplo, muitas experiências positivas que são realizadas em Salvador e em outras cidades da Bahia que não estão nesses jornais. Não é difícil procurar muito para encontrar jovens protagonistas, ONGs que atuam com projetos sociais através de metodologias brilhantes, pauta suficiente para encher as editorias de todos os jornais que circulam hoje pelas mãos dos baianos. Mas estas boas práticas não têm espaço. O olhar (aguçado) dos jornalistas (?) que trabalham nesses veículos são treinados para enxergar apenas mortes, roubos, sequestros, prostituição… Notícia boa? Para eles só quando alguém é preso ou um criminoso é morto. Seja lá como for, o sangue, a tristeza, o medo, o choro precisam estar presentes.

Quando eu estava no segundo semestre do curso de comunicação, tive a oportunidade de trabalhar em um dos principais jornais da Bahia. Agradeci, sob o argumento de que precisava ganhar mais experiência. Menti. Reconheço que minha recusa tinha em sua essência alguns resquícios de estudante-de-jornalimo-que-sonha-mudar-o-mundo. Eu não via (e ainda não a vejo) a bendita da comunicação social propriamente dita nas palavras impressas naquele papel caro. Isso tem feito com que eu não me arrependa das escolhas tomadas.

Eu ainda acredito que um dia experiências como a do Coletivo Regional Juventude e Participação Social, grupo organizado de jovens que atua no semiárido baiano, terá espaço na capa destes jornais. O trabalho é inteligente, envolve direta e indiretamente mais de dois mil jovens de 25 municípios. O que eles fazem por lá muita gente grande não sabe fazer por aqui. Há, apesar de raras, como se sugere, as exceções. Volta e meia encontramos uma alegria perdida em alguma página de um ou dois jornais. Nada mais.

Os jornais têm o poder de influenciar o que será lido por crianças, adolescentes e jovens, e contribuir para uma formação sadia. Então por que não apresentar-lhes no cardápio opções saborosas, que contribuirão para uma boa digestão?

Para se fazer um jornalismo melhor, mais social, não é necessário esconder a realidade, mas ao menos apresentá-la por completo. Posso, um dia, pagar caro por estas palavras, mas esse hoje é meu pensamento, a minha consciência. E vale ressaltar que o que penso ou estas palavras que vos escrevo nunca ocupará as páginas caras desses jornais. Não necessariamente porque não tem sangue, mas pelo risco que ela oferece de educar.

Josevaldo Campos

segunda-feira, 19 de março de 2012

O poder mobilizador e de transformação da comunicação

No início de novembro de 2011, estive em Camamu, cidade localizada no Baixo Sul da Bahia, para passar a adolescentes e jovens rurais noções de comunicação, com foco na produção de jornal. A proposta era simples, porém desafiadora: fazer com que aqueles meninos e meninas aprendessem o ofício e, o mais importante, fossem motivados a continuar o trabalho nas comunidades onde moravam.

Para muitos deles, era o primeiro contato com o computador. Então falar-lhes sobre gêneros jornalísticos, editorias, lide, linha editorial, elementos textuais e gráficos e pirâmide invertida constituía uma missão ousada. Além do jornal, eles tiveram contato com as linguagens de fotografia, rádio e internet. E saíram empolgados. A semente havia sido plantada.

Eles vinham de comunidades rurais, assentamentos e quilombos. Lugares longes e de difícil acesso, prato cheio para desistirem e continuar onde estavam. A desculpa, afinal, estava armada! Durante a oficina, o desafio de parar, pensar e listar sobre o que eles queriam falar sobre cada comunidades, numa verdadeira reunião de pauta, foi enriquecedor. Isso porque, depois de escrever sobre os pontos fracos e fortes de cada localidade, muitos deles acabaram por descobrir as belezas que os cercam ou as mazelas que precisam ser superadas. A valorização e o compromisso com a herança cultural e a natureza da região foi, talvez, o legado mais importante, e por que não dizer, mais emocionante do aprendizado.

Em fevereiro desse ano, uma mensagem de celular foi o bastante para provar o poder mobilizador e transformador da comunicação. Em uma das comunidades participantes, uma semente havia brotado. Nascia “A Voz da Juventude”, um jornalzinho experimental criado pelos novos comunicadores, e que vinha com o verdadeiro espírito da comunicação social: levar informação, divulgar, valorizar e respeitar as diversidades.

Para se chegar até a comunidade do Barroso não é fácil. A estrada é irregular e, se chover, fica praticamente inviável. Mas a paisagem exuberante e a vontade de reencontrá-los foram vencendo as dificuldades. Durante dois dias, levamos mais informações sobre foto e jornal, e eles, em troca, nos deram a grande oportunidade e experiência de viver a comunidade e de conhecer as belezas naturais, além de relembrar um sentimento quase extinto nos grandes centros: a gentileza.

A chegada da chuva anunciava, tristemente, o fim das atividades e que era hora de ir embora. Do contrário, poderíamos ficar por ali mais alguns dias, o que, evidentemente, não seria nenhuma má ideia da sagrada natureza. Somente quem esteve por lá sabe o que significa ver a simplicidade de seu Elinaldo, pequeno produtor de cacau e guaraná; a sabedoria incondicional de Ana Célia, a Dra das ervas medicinais; as delícias da culinária e o sorriso tímido, porém verdadeiro e cativante de dona Delza. A garra de dona Maria que, aos 63 anos, ainda trabalha na roça e sobra tempo e simpatia para receber a todos com tanto amor e dedicação.

Mas o melhor de tudo é que estas histórias poderão ser vividas por muito mais pessoas, porque estão contadas, pelos meninos e meninas, no Fala Comunidade, o jornal que eles deram vida, vez e voz, e que agora vai girar, através de uma comunicação democrática e social, marcando um novo capítulo nessa história.

Texto e foto: Josevaldo Campos

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

À procura da honestidade

Quem nunca sonhou com uma casa linda, com jardins impecáveis e uma piscininha para o fim de semana com os amigos? Quem nunca desejou experimentar o conforto de passear pelas ruas da cidade em um carro de luxo? E aquele aviãozinho particular no quintal de casa? E o privilégio de viajar mar adentro numa lancha particular? Na opinião dos meus e dos seus pais, tudo sonho realizável, desde que você trabalhe muito e de forma honesta!

Empenhamos anos de nossas vidas com estudos, trabalho, estudos... Tudo em prol das realizações pessoais e profissionais, e na busca incessante por essa tal felicidade, e vamos renovando nossas energias, alimentando nossas expectativas e aumentando nossas aspirações sempre com as palavras mágicas dos nossos amigos e pais, que nos fazem sempre acreditar que conquistaremos o sucesso, e que todo o esforço e trabalho honesto serão recompensados. Vamos para a escola, para a universidade de transporte público sem qualidade, e voltamos do trabalho para nossa casa modesta, depois de enfrentar horas de congestionamentos. Problemas banais e que serão logo superados, com o resultado dos nossos esforços diários, da nossa luta infinita. E honesta.

Temos o dom natural de perseguir aquilo que é bom e que nos fará feliz. Com exceções, obviamente. Vem-me na memória cenas do filme Em Busca da Felicidade (The Pursuit of Happyness, título original), protagonizado por Will Smith, na pele do persistente (e honesto) Chris Gardner. Ele, pai de família com sérios problemas financeiros, tenta ganhar alguns tostões vendendo aparelhos de raios X que são caros e ultrapassados. E para completar sua sina de homem honesto e trabalhador, sua mulher o abandona, obrigando-o a criar, sozinho, o filho de apenas cinco anos. Mesmo assim, ainda acredita que dias melhores virão. Mas não chegam. Pelo menos no filme!

Volta e meia vemos nos jornais, revistas e TVs homens e mulheres de sucesso, que enriqueceram por mérito próprio, através de muita dedicação e trabalho (honesto?). A lista é grande: empresários, banqueiros, artistas, jogadores, políticos...  Proprietários de mansões, super carros e contas bancárias recheadíssimas em ilhas fiscais paradisíacas, difíceis para qualquer trabalhador honesto e assalariado pronunciar o nome. Então ficamos imaginando quantos anos de estudo e trabalho mais serão necessários para que nós, honestos, conquistamos, se não um pedaço de ilha particular ou um carro de um milhão e meio de dólares, um casa simples e aconchegante e um carro que proporcione mais conforto em viagem. Nos congestionamentos.

Mas, contraditoriamente ao sucesso resultado do trabalho honesto, aquele que nossos amigos e pais sempre nos incentiva a alcançar, a gente vê, nesses mesmos jornais, revistas e TVs, uma fortuna de casos de enriquecimento ilícito, de lavagem de dinheiro (público) e falcatruas das mais inacreditáveis. Assim, nossos “heróis”, donos de fábricas de sonhos para trabalhadores assalariados, mostram, a cada dia, que o caminho do trabalho honesto até a riqueza é coisa totalmente antagônica.

Esses casos corriqueiros e cada vez mais banais de riquezas fraudulentas criam naqueles que sonham em construir um patrimônio pelas vias legais o sentimento de “idiotismo”, porque, um a um, empresários, banqueiros, artistas, jogadores, políticos, eles vão sendo descobertos, deixando a impressão de que todos os bem sucedidos são corruptos, e que, mais cedo ou mais tarde, serão desmascarados.

E o pior é que, no país em que tudo se dá um jeitinho, os atos de corrupção podem passar de exceção para regra. Isso significa que os conselhos dos meus e dos seus pais e amigos podem não só perder totalmente a valia e sentido, mas terem que ser remodelados, atualizados segundo as normas “legais” do enriquecimento ilícito. E o resultado disso será, inevitavelmente, a constituição de uma sociedade totalmente pobre de valores.

Josevaldo Campos