sexta-feira, 2 de abril de 2010

Assalto?

Tem algumas coisas que você nunca imagina que vão acontecer com você. Quando menos se espera, você pode está diante de uma delas.

Foi assim que aconteceu na madrugada do dia 29 de março, por volta das 2h30. Eu voltava da cidade de Tucano (BA) para Salvador, quando o ônibus foi abordado por cinco elementos, já dentro da cidade de Feira de Santana. Todos os 14 passageiros dormiam, inclusive eu, que acordei, imagino, com o balanço do ônibus provocado pela estrada de chão irregular. Estávamos fora da BR 116, de onde a quadrilha obrigou o motorista a sair, depois de tomar o veículo quando este reduziu a marcha para passar sobre a lombada.

A primeira imagem que vi e as cenas que se seguiram permanecerão por muito tempo na memória, até porque, infelizmente, a possibilidade de acontecer novamente existe. Eram quatro homens e uma mulher, todos fortemente armados. Quando acordei e olhei na direção das primeiras poltronas, vi que o primeiro homem avançava na direção do fundo, portando uma arma que parecia uma espingarda calibre 12. Ele andava cautelosamente, passo a passo, com a arma sempre apontada para as poltronas. Atrás dele entravam mais dois, armados com grandes revólveres e gritando: “O dinheiro, passa o dinheiro”, sempre com um vocabulário estressado e intercalado com palavrões.

As pessoas iam acordando, entregando tudo que possuíam, ainda meio inertes, tentando entender o que, de fato, estava acontecendo. Entregamos celulares, relógios, sacolas... Tudo! Do lado de fora, escuridão. Poucas pessoas devem ter ousado olhar para fora. “Bora, passa tudo”, gritavam, sempre em movimento, eufóricos. Não deixavam nada.
Apesar do medo, eu conseguia pensar em muita coisa. É possível pensar em um monte de coisas quando se tem uma arma daquele tamanho na direção do seu peito. Para mim, por exemplo, foi inevitável pensar na educação do país, na falta de oportunidades, no individualismo, na desigualdade e exclusão social. Eles não tinham nada a perder. Fora daquele ônibus, onde eles tinham o poder, certamente não existia um trabalho decente, uma escola que lhes ensinassem alguma coisa que fizesse sentido para suas vidas, uma família que os acolhessem com amor e lhes mostrassem a diferença entre praticar o bem e o mal.

Em 2006, o IBGE apontou que cerca de 14 milhões de pessoas passam fome no Brasil, sem contar as cifras dos desempregados. Enquanto isso, tantos outros desfilam nas ruas com automóveis que não podem pertencer nem ao imaginário do trabalhador assalariado brasileiro. À primeira vista eu não consigo condenar quem me levou dinheiro, celular, roupas e outras coisas baratas. Claro que incomoda. Fazer alguma coisa forçada é sempre desconfortável. Mas até que eu encontre outra razão plausível que explique tais ações, só posso concluir que há uma ligação direta, causa e consequência, com outros problemas brasileiros. O país ainda não conseguiu sair da contra-mão. Ainda vivemos imersos na cultura da separação, da segregação do negro e do branco, do rico e do pobre. Somos um povo que aplaude a polícia quando ela enjaula um ladrão de ovos, de galinha, e ainda estamos perdendo nosso senso de lógica, a partir do momento em que estamos aceitando com normalidade falcatruas que envolvem políticos roubando milhões de reais do orçamento público. Repito: são milhões as pessoas que passam fome no país.

De tudo, restou-me a certeza de que é preciso aproveitar ao máximo cada minuto dessa vida, 10 reais esquecidos em um dos bolsos da calça, um cobertor e a lembrança de uma criança que esteve na cena dizendo: “Eu fiquei assustado”. O resto foi tudo para o BO.

6 comentários:

  1. Sinto muito pelo ocorrido, infelizmente ninguém está livre da violência hoje em dia, o importante é que ninguém se machucou.

    Não posso deixar de elogiar seu texto, muito bom...Parabéns!!!

    Bj.

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  2. Numa Bahia em que o "Governo" é "terra" de todos nós, a gente percebe que a simples mudança de pessoas nos postos-chave não resolve nada.
    Sai a turma do carlismo, toma posto outra turma, comprometida com empreiteiras, empresários etc.
    A polícia aparece, sempre, para reprimir, infelizmente, ao invés de atuar, com mais força, no combate às causas. Constitucionalmente, este não é o papel da força policial, mas todos, polícias e bandidos, eleitores e eleitos, estamos no mesmo barco, sujeitos aos mesmos problemas. Nada mais democrático e inteligente que lutarmos, todos, pela melhoria global das condições de vida e de educação.
    A Globalização, aplaudida por tantos "analfabetos-políticos", está mostrando a cara e invadindo o país de outra forma: a maioria das faculdades baianas já pertencem a espanhóis, portugueses, italianos...
    A "cultura" que consumimos (TV, cinema, jornalismo) vem de fora, em pacotes pré-montados.
    Que mais nos resta?

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  3. Poiszé. Num mesmo país marajás e miseráveis. Bocões aplaudindo assassinatos públicos e os ladrões se multiplicando feito baratas.

    Pode ocorrer novamente, querido. Mas vamos torcer pra que seja apenas uma experiência pr'ocê entrar nas estatísticas...

    Boa Sorte.

    [para todos nós]

    ;)

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  4. Um grande aperto no peito, e um turbulhão de pensamentos em minha cabeça.

    Um grande abraço em você e muita proteção.

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  5. Nossa nunca fui vitima de nada parecido, mais como vc mesmo desse sempre achamos que nunca vai acontecer conosco, quando o inesperado acontece.
    Temos mesmo é que lutar por um mundo melhor, que nos ofereça condiçoes de vida digna, e educação que na verdae é um grande problema no Brasil.

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  6. Retiro o que eu disse.
    Ainda ontem fui vítima de um assalto, bem em frente a minha casa, quando saia por volta das 19:30 hr, eu nao acreditei, so quando os assaltantes colocou a arma em mim que eu mim dêi conta do que realmente estava acontecendo, foi horrivel, assustador, ate agora fico pensando na cena, vem todo um filme em minha cabeça, to tentando mim recuperar.
    Mais graças a Deus eles não fizeram nada comigo, sair intacta!

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